Quando assumiu as operações da Refinaria Landulpho Alves (Rlan) em dezembro de 2021, após adquirir o controle da subsidiária da Petrobras e rebatizá-la como Refinaria de Mataripe, a Acelen projetou para o mercado a imagem de uma empresa inovadora, empenhada em reverter a queda de desempenho da unidade, investir alto no avanço da linha de produção e gerar empregos, seguindo o espírito contido no próprio nome da empresa, acrônimo criado a partir de três palavras: aceleração, excelência e energia. Parecia um negócio “das arábias”, no sentido da expressão usado para designar extravagância ou algo extraordinário. Dois anos e quatro meses depois, as ideias não correspondem aos fatos.
Coube a uma denúncia feita pelo Sindicato dos Petroleiros da Bahia (Sindipetro), com base em informações reveladas por operários da refinaria, expor os sinais de deficiência de produtividade que colocou em risco o abastecimento de gás de cozinha e combustíveis em toda a Bahia. De acordo com o diretor de Comunicação Social do Sindipetro, Radiovaldo Costa, os trabalhadores da companhia fundada pelo Grupo Mubadala, fundo bilionário que reúne investidores dos Emirados Árabes Unidos e atua em dezenas de países, relataram problemas graves de ordem operacional que, emendou o sindicalista, a direção da empresa tentava omitir.
“Por causa dos problemas operacionais enfrentados na semana retrasada, a Acelen correu o risco de afetar o abastecimento de derivados aqui na Bahia. Depois da nossa denúncia, eles [a companhia] reconheceram publicamente [as falhas]. Já estão conseguindo superar, mas a denúncia que fizemos teve importância, porque pressionou a empresa, que buscava esconder os problemas. Não tivemos falta de produto, mas [o episódio] mostra a falta de compromisso deles”, dispara Costa, ao também criticar a empresa por demitir trabalhadores em massa. De fevereiro até a última segunda-feira (29), calcula o Sindipetro, cerca de 150 colaboradores da refinaria foram cortados. O que, destacou, vem sobrecarregando demais os que ficaram.
Em síntese, o Sindipetro afirmou que a temporada de fortes chuvas sobre o Recôncavo provocou a paralisia e falhas em unidades da refinaria situada em Mataripe, distrito de São Francisco do Conde. Especialmente, a 39, considerada essencial para o chamado craqueamento do petróleo. O perigo de desabastecimento era maior em relação ao gás de cozinha. A ponto da Acelen precisar ordenar que uma embarcação carregada com o produto retornasse à Bahia, como forma de assegurar o suprimento interno.
O perigo de desabastecimento não é cena inédita. Em 2022, uma série de manutenções na planta da Acelen acarretou queda no volume de botijões com o gás de cozinha. Embora estivesse longe do colapso no abastecimento, empresas que atuam no varejo tiveram dificuldades para suprir a demanda da clientela nos níveis considerados normais. À época, a companhia atribuiu a redução da oferta à necessidade de redimensionar os prazos por questões de segurança operacional.
Contactada pelo Jornal Metropole, a Acelen não informou se as falhas já foram sanadas até o fechamento desta edição. O único posicionamento público veio através de nota à imprensa, na qual a companhia reconheceu a existência de problemas operacionais e informou que havia adotado medidas emergenciais para garantir a continuidade no fornecimento de gás de cozinha e combustíveis. Garantiu ainda empenho para restabelecer a normalidade em dez dias e anunciou que tinha iniciado o uso de tecnologias de inteligência artificial para aperfeiçoar o diagnóstico e correção de problemas.
Política de preços
Entre as principais críticas do Sindipetro à Acelen, a política de preços adotada pela empresa ocupa lugar de destaque. Basicamente, a companhia estabelece os valores de acordo com o mercado internacional, acompanhando o movimento global do barril de petróleo e as constantes oscilações no preço do produto, enquanto a Petrobras tem mecanismos próprios para definir o quanto cobra por litro de diesel e gasolina distribuído pela estatal.
“O Mubadala tem uma política de preços propriamente dele. Hoje, a Bahia possui a gasolina mais cara do Brasil, em função de uma política de preços que só visa o lucro. Obviamente, que a Petrobras também busca o lucro, mas ela acaba tendo um papel social, de responsabilidade com o desenvolvimento da Bahia e do Brasil”, acrescentou Radiovaldo. Por efeito direto, os reajustes no preço dos combustíveis se tornaram corriqueiros. O último deles, na semana passada, elevou a gasolina em 5,1%, mas na prática, fez com o preço saltasse, em média, aproximadamente R$ 1 por litro.
Para o presidente do sindicato que representa os donos de postos de combustíveis na Bahia (Sindicombustíveis), Walter Tannus, essa é a única ressalva do segmento à atuação do Grupo Mubadala na Bahia. “Para o dia a dia do nosso mercado, esse descompasso entre a Acelen e a Petrobras é muito ruim, porque as oscilações de preços, muitas vezes, a maior, nos impõe dificuldades. Fora isso, a companhia tem uma política que consideramos extremamente benéfica, porque ajuda a desenvolver nosso estado, a gerar emprego e renda”, destaca Tannus. Para ele, a possibilidade de desabastecimento não preocupa. “Quem regula isso é a ANP (Agência Nacional do Petróleo), e ela não emitiu nenhum alerta nesse sentido. Fora que temos hoje estoques reguladores que nos dão segurança”, conclui.
Problemas coincidem com possível retomada de refinaria pela Petrobras
As falhas na operação da Refinaria de Mataripe ocorrem em compasso simultâneo às investidas da Petrobras para reassumir o controle sobre a antiga Rlan. Desde o fim do ano passado, a estatal negocia a compra. Em março, o presidente da petroleira, Jean Paul Prates, anunciou o início da fase de avaliação sobre a possível compra de uma fatia do negócio, mais conhecida no jargão do mercado como due diligence.
As tratativas incluem ainda negociações para que a Petrobras adquira também participação na biorrefinaria que o Grupo Mubadala está desenvolvendo na Bahia, batizada de Macaúbas, nome de uma palmeira nativa com a qual o fundo árabe planeja produzir biodiesel usando o fruto da planta como matéria-prima até 2026. O acordo, no entanto, inclui os investimentos de US$ 500 milhões já feitos pela Acelen em Mataripe, a compra de um parque solar para gerar energia sustentável na unidade e, claro, R$ 1,8 bilhão usado para adquirir a Rlam durante o governo Jair Bolsonaro (PL).
Primeira construída no país e segunda maior do Brasil, com capacidade para processar até 333 mil barris de petróleo por dia, a Refinaria de Mataripe voltou a entrar no radar do governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT) com a intenção da Petrobras de retomar suas atividades no refino, gradualmente abandonadas desde o início da gestão passada. A questão, agora, é superar entraves, sobretudo, em relação a valores e o tipo de participação que a estatal pretende ter no negócio.
“O presidente da Petrobras confirmou não só para a gente, mas até para a sociedade em alguns anúncios formais, que de fato estão ocorrendo alguns impedimentos entre a empresa e o Mubadala, para que a refinaria volte a ser incorporada à Petrobras. Nós não sabemos ainda quando isso ocorrerá, nem como será o modelo dessa reincorporação, mas acreditamos que até junho ou julho devam ocorrer avanços. Defendemos esse negócio porque entendemos que ele será benéfico à Bahia, aos baianos e à economia do estado”, afirmou o diretor de Comunicação do Sindicato dos Petroleiros, Radiovaldo Costa
Fonte Metro1