“A gente não estava discutindo caminhos da política nacional”. A crítica é feita pela educadora Amanda Palha (PCB-PE), travesti que disputa neste ano sua primeira campanha eleitoral. Com o slogan “Nada sobre a gente sem a gente”, a candidata a deputada federal defende o aumento da representatividade no processo eleitoral, mas reconhece que há limite. “Conseguir maioria no Congresso Nacional é irreal”, disse.
Assim como a educadora, hoje 45 travestis e transexuais participam da disputa eleitoral, segundo levantamento feito pela Folha de S.Paulo. O número, de acordo com a Antra (Associação Nacional de Travestis e Transexuais), é o maior da história das eleições nacionais. “Se tem um lado conservador que se levanta, há outro que está reagindo”, afirma a presidente da entidade, Keila Simpson.
Em 2010, houve apenas cinco candidaturas de travestis e transexuais. A maioria das candidatas neste ano é de partidos de esquerda, como PSOL e PCdoB, concorre no Sudeste e no Nordeste e é novata em disputas eleitorais, como Amanda. No total, duas de cada três participam de sua primeira campanha eleitoral.
“Está ocorrendo um despertar e é um caminho sem volta”, avalia a jornalista Léo Áquilla (PHS-SP), que participará neste ano de sua sexta disputa eleitoral. Ela não pretende desistir de um mandato parlamentar caso não seja eleita neste ano. “Nós não somos mais uma sujeira debaixo do tapete e não vamos mais voltar para dentro do armário”, disse.
As candidaturas deste ano são todas para cargos no Poder Legislativo, principalmente deputadas federais e estaduais. A única candidata a senadora é Duda Salabert (PSOL-MG). Para Keila, o objetivo, no entanto, não é formar uma espécie de “bancada da bandeira do arco-íris”.
Segundo ela, as candidaturas não estão voltadas apenas à pauta LGBT, mas também à defesa dos direitos humanos e de propostas nas áreas de segurança e emprego. “Para nós, essas bancadas conservadoras não servem de exemplo. São sempre pessoas representadas de uma maneira caricatural, com interesses pessoais, não coletivos. Nós queremos que as candidaturas representem a comunidade de fato, não apenas a LGBT”, disse.
O aumento das candidaturas deve-se, segundo especialistas ouvidos pela reportagem, a um fortalecimento de uma retórica de representatividade no processo eleitoral e a um discurso de empoderamento.
Para a diretora de promoção dos direitos LGBT do Ministério dos Direitos Humanos, Marina Reidel, o aumento da violência tem influenciado. “O aumento da violência é um dos fatores que tem levado as pessoas a lutarem pelos seus direitos e por condições melhores de vida”, afirmou.
Na última disputa municipal, em 2016, mais de cem candidatas travestis e transexuais concorreram a cargos de vereadora. Ao todo, nove foram eleitas e cumprem mandatos. A meta do movimento é tentar triplicar o número em 2020.
Apesar da maioria das candidaturas ser de partidos de esquerda, há também candidatas em siglas de direita. Na Bahia, por exemplo, a ex-vereadora de Salvador Leo Kret (DEM) tenta agora o cargo de deputada federal. “Para defender a bandeira, não importa se é de direita ou de esquerda. O necessário é que a causa tenha uma representante de verdade para colocar o tema em pauta”, disse. Ela conta que sofreu preconceito tanto na campanha eleitoral como na Câmara Municipal. “Mas eu acabei tirando de letra”, disse.
Para ela, a presença de uma transexual na Câmara dos Deputados seria importante para chamar atenção nacional para a causa. “Uma de nós estar sentada ali seria uma forma de resistência, visibilidade e luta”, diz.
O número recorde de candidatas travestis e transexuais não é o único ineditismo na disputa deste ano. Pela primeira vez, o TSE (Tribunal Superior Eleitoral) permitiu que os candidatos e eleitores alterem a identificação do sexo e incluam o nome social no registro eleitoral.
Além disso, as candidatas transexuais passam a ser contabilizadas na cota partidária de 30% destinada à candidatura de mulheres.
Por Noticias ao Minuto