A Reforma Trabalhista, que flexibilizou as leis que regem as relações de trabalho no Brasil, completa hoje um ano de vigência. Ela foi criada com a promessa de diminuir o desemprego, reduzir o volume de ações na Justiça do Trabalho e extinguir a obrigatoriedade do Imposto Sindical. Em relação a novembro do ano passado, números e opiniões mostram que o texto segue controverso e apresenta um resultado difícil de ser medido.
Representantes empresarias elogiam os pontos que foram modificados; o número de ingresso de ações na Bahia caíram mais de 50%. Já os sindicatos de trabalhadores admitem perda de receita, mas ainda assim ganharam em volume de adesões de trabalhadores associados. E no meio disso, um segmento de juízes do trabalho, que devem intermediar possíveis irregularidades na relação capital x trabalho, decidiram não usar a reforma em suas sentenças alegando que a lei é inconstitucional.
Na modernização, o acordado com o patrão passou a ter valor de lei, desde que não fira direitos estabelecidos pela CLT (Consolidação das Leis Trabalhistas), criada no governo Getúlio Vargas, na década de 1950 no momento em que o país começava se industrializar e que nunca havia sido atualizada, mesmo com todas as mudanças que o mundo do trabalho sofreu desde então, especialmente a partir da década de 1990 com o uso massivo de novas tecnologias. Por isso foram criadas novas modalidades de contratação, a exemplo o trabalho intermitente e tele-trabalho (home office).
As estimativas do Ministério do Trabalho projetavam um potencial de criação de até 5 milhões de empregos formais, principalmente pelo fato de dar maior segurança jurídica aos contratos entre empresas e trabalhadores. De acordo com o Presidente do Conselho de Relações Trabalhistas da Federação das Indústrias da Bahia (FIEB), Homero Arandas, faltou um estímulo maior para que estas contratações fossem feitas. Mas os efeitos práticos foram pequenos.
“Só em a reforma entrar em vigência foi uma grande vitória. Porém, alguns pontos do regime intermitente necessitam ser corrigidos, como por exemplo, o que diz respeito ao parcelamento das férias e o prazo de chamada. Os empresários apostam na correção destas questões”, avalia.
Em outubro do ano passado, o desemprego atingia 12,7 milhões de brasileiros segundo a PNAD Contínua do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Uma das apostas contidas no texto da Reforma Trabalhista a fim freá-lo foi a criação do regime de trabalho intermitente, aquele em que o trabalhador ganha apenas por hora efetivamente trabalhada, sem a necessidade de cumprir uma jornada mínima.
Mas, segundo dados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged) do Ministério do Trabalho, entre os meses de abril a setembro de deste ano, enquanto o Brasil gerou 22.718 vagas no novo regime intermitente, a Bahia contratou apenas 719 trabalhadores intermitentes.
Para Arandas, os trabalhadores precisam ser incentivados aceitar este tipo de contrato. “O próprio trabalhador tem dificuldade de aceitar o contrato intermitente, de perceber a flexibilidade de ser uma exceção e não uma regra. É um primeiro ano de aprendizado. Isso é que nos dá um certo alento de que é possível avançar e melhorar no processo de modernização trabalhista”, completa.
Em defesa dos efeitos positivos da reforma, o presidente da Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado da Bahia (Fecomércio-BA), Carlos Andrade, o ritmo lento de crescimento da economia é outro motivo que justifica a geração tímida de novas vagas desde que a Reforma Trabalhista entrou em vigor. “Continuamos a enfrentar uma crise. A reforma é boa, mas o ano não foi bom. Antes nós estávamos perdendo estas vagas. É melhor contratar pouco do que perder emprego”.
O presidente da Associação Brasileira da Indústria de Hotéis (ABIH-BA), Glicério Lemos, concorda e alega que não houve perda alguma de direitos para o trabalhador: “A reforma veio em boa hora, em um momento em que atravessamos uma crise difícil. Porém, os sindicatos de empregados vieram com uma série de medidas descabíeis, que a lei não deveria permitir. Banco de horas? Não tem como fazer acordo com sindicato sobre isso. Ou seja, a gente avança na flexibilização, mas os sindicatos chegam com uma série de itens que vão de contra isso e a categoria de hotéis”, destaca.
Outra barreira para a geração de empregos, segundo o presidente da Federação da Agricultura e Pecuária do Estado da Bahia (Faeb), Humberto Miranda Oliveira, está na redução efetiva nos custos de contratação e na carga tributária. “A reforma chegou com o propósito de facilitar o relacionamento entre o capital e o trabalho, de modo a desburocratizar procedimentos e diminuir despesas. O grande desafio, e nisso a classe rural está empenhada em contribuir, será em fazer essas implantações, sem a criação de encargos para os empregadores e até com diminuição dos encargos existentes”.
Os setores reunidos irão lançar nesta terça-feira (13), na Casa do Comércio, a Campanha Empresários Unidos Contra o Desemprego. A iniciativa prevê que, partir de 02 de janeiro de 2019, cada empresa contrate pelo menos um empregado CLT, como explica o presidente da Fecomércio-BA, Carlos Andrade. “O empresário quando contrata é sinal que ele está crescendo. E é esta a nossa intenção. Queremos, inclusive, estender o movimento para todo país”, ressalta Andrade.
Na Justiça
Se por um lado, a reforma ainda não gerou todas as vagas que previa, por outro, derrubou efetivamente o número de ações ajuizadas no Tribunal Regional do Trabalho. Com base nos dados levantados pelo TRT-BA (5ª Região), enquanto em 2017 foram ajuizadas um total de 174.876 novas ações em 1º grau, de janeiro até outubro deste ano o número não passa de 90.589, um pouco mais que a metade.
E a queda tem uma explicação. Entre as mudanças trazidas pela reforma trabalhista está a que diz limitou o acesso gratuito pelo empregado à Justiça do Trabalho. O trabalhador que entrar com ação contra uma empresa passou a ser responsabilizado pelo pagamento dos honorários periciais caso perca a ação. O benefício da justiça gratuita passou a ser concedido apenas para quem comprovar a insuficiência de recursos ou caso receba menos de 40% do teto do INSS.
“Não tenho dúvidas de que isso fez com que os empregados se afastem da Justiça porque ele passou a pagar pelo processo. A reforma para o trabalhador permanece sendo danosa a ele. Se a intenção era modernizar, isso não aconteceu. Estamos muito aquém ainda. Temas como a intimidade e a privacidade do trabalhador deixaram de ser tratados. Se preocupou demais em beneficiar o empregador, deixando de lado muitos direitos conquistados pelo trabalhador”, analisa a diretora de Cidadania e Direitos Humanos da Associação dos Magistrados da Justiça do Trabalho da 5ª Região-BA (Anamatra5), Silvia Isabelle.
Um mês depois da Lei 13.467 passar a valer, o mesmo tribunal registrou uma queda de 55,66% ações, na comparação entre dezembro de 2016 e 2017. Foram 10.967 contra 4.863. “As varas em Salvador não estão fechando nem 600 processos. No geral, isso chegava a 3 mil, a depender da vara. Tivemos, de fato, uma queda brusca porque muita gente desistiu de ingressar com ações quando tomaram ciência dos encargos”.
Mais um ponto de conflito está relacionado à interpretação dos casos julgados. Isto porque a Anamatra criticou alterações na lei, entre elas, a cobrança das custas e fixação “tabelada” de valores de indenização. Em um encontro da entidade foi recomendado que os juízes não deveriam utilizar o texto da reforma em suas decisões até que o Supremo Tribunal Federal (STF) decida sobre a constitucionalidade da lei. No ano passado, quando ainda ocupava a chefia da Procuradoria Geral da República, Rodrigo Janot, pediu ao Supremo Tribunal Federal (STF) a anulação de dispositivo, alegando que a nova legislação viola direitos fundamentais dos trabalhadores e por isso seria inconstitucional.
A ação, porém, ainda não foi julgada pelo Supremo. A Bahia também não tem nenhuma súmula ainda que possa pacificar a matéria. “A associação não pode se manifestar contra. O que a gente pode fazer é interpretar. O que existe são decisões muito conflitantes. Eu, por exemplo, declaro inconstitucionalidade”, acrescenta a juíza.
Como ficaram os sindicatos?
Os impactos da Reforma Trabalhista não pararam na redução dos processos judiciais. Eles atingiram em cheio a receita dos sindicatos, ao extinguir a obrigatoriedade do empregado de pagar o imposto sindical. O desconto anual do valor equivalente a um dia de trabalho só é obrigatório para quem é filiado a uma entidade.
Situação que segundo o presidente da Central Única dos Trabalhadores na Bahia (CUT-BA), Cedro Costa e Silva, representou uma queda de três receitas mensais. “Isso é menos recurso no caixa da entidade, além das perdas de direitos que já tivemos. Acabar com o imposto sindical foi a maneira que encontraram para sufocar estas instituições. Agora estamos enxugando toda a nossa máquina e diminuindo custos”.
Todavia, o número de adesões de novos trabalhadores filiados cresceu 30% de um ano para cá, como pontua o sindicalista. “Ao retirar esses direitos da classe trabalhadora, o empregado buscou ajuda jurídica no sindicato e isso justifica o crescimento de adesões. Se filiando, o trabalhador entendeu que ele vai ter uma proteção jurídica do sindicato. Por isso, o recurso que temos investimentos muito nesta comunicação junto a base e priorizando o nosso jurídico”, afirma.
Com relação às negociações com o empregador, Costa e Silva admite a importância do sindicato de se repensar enquanto instituição representativa e fortalecer a sua base. “Isso se faz necessário para que não acabem com a representatividade sindical”.
Efeitos colaterais
Como tudo a que se propõe ser um remédio, há efeitos colaterais. E a Reforma Trabalhista não ficou de fora disso. A Lei 13.467/2017 acabou estimulando a geração de postos de trabalho informais. Segundo dados do IBGE, o número de empregos com carteira assinada encolheu 1%, para 32,9 milhões – embora tenham sido criadas cerca de 372 mil vagas formais -, e o número de trabalhadores informais atingiu 35 milhões em setembro.
Cresceu também o volume de desalentados, pessoas que desistiram de procurar emprego. Os dados mostram que no trimestre encerrado em setembro deste ano, o período acumulou 4,8 milhões de brasileiros nesta situação. Em relação ao mesmo trimestre do ano anterior, este indicador apresentou alta de 12,6%, ou seja, mais 600 mil pessoas desalentadas.
Outro efeito está nas contas da previdência. Salários menores, pagos por horas de trabalho, como prevê o regime intermitente, acaba reduzindo a arrecadação líquida ado Regime Geral de Previdência Social (RGPS). O Relatório de Receitas e Despesas do governo federal mostra que a arrecadação caiu R$ 1,95 bilhão no 3º bimestre encerrado em agosto. No acumulado do ano, segundo o Tesouro Nacional, a queda de receitas para o setor foi cerca de R$ 15 bilhões.
Novas mudanças
Para o sócio e especialista em Direito do Trabalho da unidade Salvador do Mauro Menezes & Advogados, João Gabriel, outras transformações devem chegar até o trabalhador daqui para frente. “A ideia, por exemplo, de uma “carteira de trabalho verde e amarela”, por meio da qual o trabalhador poderia negociar livremente – e abaixo da lei – com o seu patrão, é uma das mudanças. O contrato de trabalho não pode ser tratado como um contrato qualquer, pois o trabalhador encontra-se permanentemente sob ameaça do desemprego”.
A junção do Ministério do Trabalho a outra pasta, também preocupa. “Essas instituições têm o papel de fiscalizar e tutelar os trabalhadores que estejam em condições precárias. A título de exemplo, assusta nesse momento, uma revisão do conceito de trabalho análogo ao escravo, quando a atuação do MTE e do MPT ao longo dos últimos anos foi exemplar, retirando de condição de extrema precariedade milhares de trabalhadores que eram ultrajados em sua dignidade”.
Já o advogado especialista em Direito Trabalhista Empresarial e sócio da RGL Advogados, Rubens Gonçalves Leite, defende que a tendência é que as relações trabalhistas sejam cada vez mais autônomas e autorreguláveis. “O que se busca é criar uma cultura de livre negociação entre empregado e empregador, gerando segurança jurídica para as empresas e, por conseguinte, novas oportunidades de empregos. E esses empregos só serão gerados quando segurança for maior”, ressalta.
REVEJA OS PRINCIPAIS PONTOS DA REFORMA
Acordos Vale o que for combinado entre empresa e trabalhador. Desse modo, a negociação passa a ser feita entre as partes no que se diz respeito ao banco de horas, férias, plano de cargos e salários. Porém, não podem ser negociados os direitos essenciais, que são salário mínimo, férias, décimo terceiro salário e FGTS.
Jornada Pelo texto da reforma, algumas atividades no âmbito da empresa deixam de ser consideradas parte da jornada de trabalho como, por exemplo, as horas de alimentação, higiene pessoal, troca de uniforme e estudo.
Férias As férias poderão ser divididas em até três períodos, sendo que um deles não pode ser menor que 14 dias corridos. Os outros não podem ser inferiores a cinco dias corridos cada um.
Intervalo O intervalo de almoço, que hoje é de 1 hora, pode ser reduzido em até 30 minutos, caso haja um acordo coletivo para jornadas com mais de seis horas de duração.
Trabalho intermitente Com a criação do trabalho intermitente (pago por hora trabalhada em vez de jornadas tradicionais prescritas na CLT), o trabalhador passa a receber a proporção adequada de remuneração, de acordo com as horas efetivamente trabalhadas.
Contribuição sindical Acabou a obrigação do empregado de pagar o imposto sindical. O desconto anual do valor equivalente a um dia de trabalho só é obrigatório para quem é filiado a uma entidade.
Home office A prestação de serviços na modalidade de teletrabalho (home office) deverá constar do contrato de trabalho que irá especificar as atividades que serão realizadas.
Gestantes Os dois descansos especiais de meia hora cada, que a mulher possui para amamentar o filho até os seis meses de idade, deverão ser definidos em acordo individual entre ela e o empregador. Outra mudança é que as mães poderão trabalhar em ambientes insalubres durante a gestação e a lactação, caso apresentem permissão de um atestado médico. No caso das grávidas, isso só não será possível se a insalubridade for de grau máximo.
Hora extra A reforma possibilita a negociação direta sobre o banco de horas entre a empresa e o empregado. O acordo valerá mesmo se não houver acordo coletivo. O empregador continua sujeito ao pagamento das horas extras, com o acréscimo de 50%. O máximo permitido é de 4 horas extras por dia.
Banco de horas As horas extras não compensadas em banco de horas devem ser pagas em, no máximo, seis meses, sendo que o prazo da CLT atual é de um ano. Vencido os seis meses, elas devem ser pagas em dinheiro com acréscimo de 50%, como na regra atual. Com a reforma, o banco de horas pode ser negociado por acordo individual, não sendo mais necessário que o instrumento seja aprovadado em convenção coletiva.
Rescisão contratual A demissão em comum acordo entre empresa e empregado agora passa a ser legal, sem necessidade de mediação do sindicato. Por esse mecanismo, a multa de 40% do FGTS é reduzida a 20% e o aviso prévio fica restrito a 15 dias. Na demissão consentida, o trabalhador tem acesso a 80% do dinheiro na conta do fundo, mas perde o direito a receber o seguro-desemprego.
Terceirização Com a aprovação da reforma, as empresas podem terceirizar qualquer atividade, até mesmo a atividade-fim. Porém, é vetada a demissão de um trabalhador efetivo para contratá-lo como terceirizado sem que haja um intervalo de 18 meses.
Ações trabalhistas O trabalhador que entrar com ação contra a empresa fica responsabilizado pelo pagamento dos honorários periciais caso perca a ação. Hoje, ele não arca com custos que são cobertos pelo Poder Público. Agora, o benefício da justiça gratuita passará a ser concedido apenas para quem comprovar a insuficiência de recursos ou caso receba menos de 40% do teto do INSS.
Trabalho parcial Hoje, nessa modalidade, é permitida uma jornada de até 25 horas semanais sem hora extra. Depois do dia 11 de novembro, passa a ser permitido até 30 horas semanais sem hora extra ou até 26 horas semanais com até 6 horas extras.
Horas itinerantes O benefício é garantido pela CLT, nos casos em que o local de trabalho é de difícil acesso ou não servido por transporte público. Com a reforma, o tempo em que o trabalhador passa em trânsito, entre sua casa e o trabalho com transporte fornecido pela empresa, deixa de ser obrigatoriamente pago ao funcionário.