Documentos de fundos de pensão, sob análise do MPF (Ministério Público Federal) em Brasília, mostram que o ministro da Economia, Paulo Guedes, atuou como uma espécie de fiador de negócios suspeitos de fraude, feitos por uma de suas empresas com entidades de previdência patrocinadas por estatais. Guedes tem dito que não tinha papel de protagonista nessas transações.
Segundo relatórios da Funcef, fundação previdenciária dos empregados da Caixa, a experiência de Guedes como economista compensaria a falta de segurança e de garantias dos investimentos.
O ministro é descrito como pessoa-chave para as transações e que detinha controle sobre a destinação dos recursos aplicados. Caberia a ele, segundo os documentos, “participar ativamente das estratégias de investimento e desinvestimento”.
Guedes é alvo de três investigações, abertas pela Polícia Federal e pela Procuradoria da República no Distrito Federal, para apurar indícios de gestão fraudulenta ou temerária ao captar e aplicar, a partir de 2009, R$ 1 bilhão de sete fundos de pensão.
Entre eles, além da Funcef, estão Previ (Banco do Brasil), Petros (Petrobras) e Postalis (Correios). O dinheiro foi aportado nos fundos de investimento em participações (FIPs) BR Educacional e Brasil de Governança Corporativa, por ele criados, e usado em projetos diversos.
Como noticiou a Folha de S.Paulo em outubro, a suspeita é que transações com os recursos tenham gerado ganhos excessivos para o economista, em detrimento das entidades que injetaram o dinheiro, responsáveis pela aposentadoria complementar de milhares de empregados das estatais.
Na época, elas eram capitaneadas por executivos ligados ao PT e ao MDB. Para administrar os recursos, Guedes criou a BR Educacional Gestora de Ativos.
Segundo as investigações, apesar da alta cifra captada, a empresa não tinha nenhum histórico de atuação no mercado, tendo, em 2009, obtido recentemente autorização da CVM (Comissão de Valores Mobiliários) para operar.
Além da falta de experiência da gestora, a primeira empresa a receber investimentos, a BR Educação Executiva S.A., era, segundo investigadores, “de prateleira”.
Havia sido criada em abril de 2009 por um escritório de advocacia especializado em vender CNPJs. Constavam como sócios dois funcionários da banca, os quais figuram como responsáveis por inúmeras outras firmas.
Segundo as investigações em curso, a empresa foi destino de R$ 62,5 milhões do FIP BR Educacional. Não tinha patrimônio líquido, histórico de faturamento ou qualquer outra garantia.
A BR Educação Executiva teve o nome alterado para HSM. Guedes atuou nas duas pontas do negócio. Foi nomeado presidente do conselho administrativo da empresa, que recebeu os recursos dos fundos de pensão. Ao mesmo tempo, ele era sócio majoritário da gestora, que decidia o destino do dinheiro.
Para os investigadores, esse duplo papel pode configurar um conflito de interesses, o que será aprofundado durante as investigações.
Guedes foi intimado a depor na Procuradoria duas vezes, mas as oitivas foram desmarcadas pelos investigadores na primeira ocasião e pelo ministro na segunda. Ele alegou problemas de saúde.
Em petição enviada à força-tarefa Greenfield – grupo de procuradores responsável pelo caso –, a defesa do economista disse que ele “não detinha participação na operacionalização cotidiana dos investimentos em questão, à qual cabia às equipes técnicas da gestora”.
O roteiro do investimento de R$ 62,5 milhões, iniciado em 2009, terminou em 2015 com um prejuízo de R$ 22 milhões aos fundos de pensão (em valores atualizados pela Selic, a taxa básica de juros da economia), de acordo com os cálculos de técnicos que auxiliam a força-tarefa.
O valor inicialmente aportado foi usado para comprar a empresa HSM do Brasil, voltada para cursos e palestras para executivos. O pagamento foi feito a um grupo com sede em Delaware, paraíso fiscal dos Estados Unidos.
Do total investido, R$ 50,2 milhões foram pagos como ágio sobre as ações por se tratar da compra de uma marca.
Em 2011, dois anos após o desembolso, um documento da empresa registrou que esse mesmo ativo, a marca, valia cerca de 10% do que fora pago (R$ 5,1 milhões).
Segundo os técnicos que auxiliam a força-tarefa, a desvalorização é fundamental para compreender as perdas que esse projeto causou aos fundos de pensão.
Entre 2012 e 2013, parte das ações da HSM foi vendida e outra parte trocada por participação na Gaec Educação. Na ocasião, segundo os documentos sob análise dos investigadores, a empresa tinha alto endividamento e risco de insolvência.
Os investigadores sustentam que o fundo de investimentos administrado por Guedes pagou valor bem mais alto do que outros acionistas pelas ações na Gaec. Elas foram vendidas mais adiante, entre 2013 e 2015, resultando no prejuízo estimado de R$ 22 milhões.
A Procuradoria em Brasília também investiga os investimentos feitos pelo FIP Governança Corporativa, que aplicou em 2010 R$ 112,5 milhões em recursos de fundos em um grupo de infraestrutura, a Enesa. O negócio, concluído no início de 2018, deu perda total às entidades de previdência.
Nesse caso, a suspeita é que o dinheiro aportado tenha escoado para acionistas do grupo por meio de distribuição irregular de dividendos.
No início de 2018, um laudo constatou que a Enesa havia perdido o valor de mercado e o FIP de Guedes vendeu por simbólicos R$ 100 mil as ações que havia adquirido por R$ 112,5 milhões.
Dezenas de perguntas sobre os aspectos dessas transações foram preparadas pela força-tarefa, mas ainda não há data para o depoimento de Guedes.
Um dos objetivos dos investigadores é saber se, de fato, a gestora de ativos do ministro acompanhou adequadamente o negócio malsucedido, pois recebia comissões altas para isso.
por FÁBIO FABRINI