Há uma questão científica ainda sem resposta nas estatísticas de nascimento do Brasil. Os brasileiros nascem mais entre março e maio, nove meses após o inverno. E nascem menos em novembro e dezembro – os filhos dos meses de Carnaval. Por que isso acontece ainda não é sabido.
A diferença é significativa. Entre 1997 a 2017, houve 17% mais nascimentos em março do que em dezembro – os meses com os maiores e menores números de bebês nascidos nesse período. Em números absolutos, são 840 mil brasileiros a mais.
A diferença também é consistente ao longo dos anos. Desde o início da série histórica de nascimentos no Brasil, nos anos 90, há uma alta a partir de março, e uma queda a partir de novembro. Assim, o gráfico de nascidos mês a mês lembra uma frequência cardíaca, com um padrão que se repete.
Os dados foram levantados pela BBC News Brasil com base no Sistema de Informações sobre Nascidos Vivos (Sinasc), do Ministério da Saúde, que é notificado sobre todos os nascimentos no país. Outras fontes de dados, como as estatísticas do Registro Civil do IBGE e do Seade, mostram o mesmo padrão ao longo do ano.
Quando a bióloga e matemática americana Micaela Elvira Martinez, professora da Escola de Saúde Pública da Universidade de Columbia, olhou os dados brasileiros pela primeira vez, ficou perplexa: “Eu fiquei extremamente surpresa: ‘uau, eles (brasileiros) têm uma sazonalidade de nascimentos muito forte”.
A “sazonalidade” citada por Martinez se refere ao comportamento “sazonal” dos nascimentos por apresentam meses de pico e de baixa que se repetem ano após ano da mesma maneira.
É um fenômeno observado na maioria dos países do mundo. O que muda são os meses em que ocorre a alta e a baixa, bem como a diferença entre o número de nascimentos nesses dois pontos.
“Se não houvesse sazonalidade, todo mês nasceria uma quantidade equivalente de pessoas”, explica Morvan de Mello Moreira, da Fundação Joaquim Nabuco, um dos únicos pesquisadores brasileiros que se debruçou sobre esse tema.
A particularidade do Brasil – que deixou Martinez surpresa – é que o país é um dos casos com maior sazonalidade de nascimentos conhecida.
“Na maioria dos Estados americanos, nós vemos uma diferença de 6% a 8% entre o mês de pico (com maior número de nascimentos) e o mês de vale (com menor número), comparado com os cerca de 20% que vocês têm”, diz a professora de Columbia, que já analisou dados de mais de uma centena de países.
Mas a ciência ainda não sabe por que isso acontece – nem no Brasil, nem nos outros países. “Até hoje a gente não tem muita certeza, não podemos afirmar com segurança qual é a causa”, diz Moreira.
“Essa é uma grande pergunta em aberto”, acrescenta Martinez, PhD em Biologia Evolutiva e Ecologia. “(A sazonalidade dos nascimentos) é um fenômeno conhecido há muito tempo, há relatos com mais de um século. Então, é surpreendente que nós ainda não tenhamos a resposta definitiva para uma pergunta tão fundamental para nossa espécie.”
Uma das hipóteses é que o ciclo de nascimentos é provocado por mudanças no comportamento sexual ao longo do ano. Entram aí, por exemplo, um possível aumento da frequência de relações sexuais no inverno ou a abstinência por motivos religiosos no período da quaresma.
Outra hipótese é que a fertilidade humana pode aumentar ou diminuir de acordo com as mudanças nas condições ambientais ao longo do ano – principalmente, a quantidade de luz natural e a temperatura.
Porém, ressalta Martinez, é preciso muito mais estudos para testar essas e outras hipóteses. “Essa é realmente uma questão em aberto”.
Região Norte é exceção
A alta de nascimentos em março e queda em novembro ocorre em todo o Brasil, exceto na região Norte.
Nos Estados da Amazônia, os nascimentos são mais distribuídos ao longo do ano, com dois picos pouco acentuados: o principal em setembro e outro mais leve em março. Dessa forma, nas últimas duas décadas, a diferença entre o número de nascidos em março e dezembro foi de apenas 5% na região – bem abaixo da média nacional, de 17%.
No outro extremo, estão Nordeste e Sudeste, com as maiores sazonalidades do país. Nessas regiões, a diferença entre o número de nascimentos em março e dezembro alcançou 20%, no mesmo período.
“Eu nunca tinha ouvido falar disso, mas faz sentido. No começo do ano, tem muita gente grávida. Só no meu trabalho e na igreja tem umas quatro meninas para ganhar neném”, diz Karine Fernanda de Almeida, de Brasilândia, zona norte de São Paulo, grávida de sete meses de Pedro. O parto está previsto para abril – o meio do período de pico.
“Tem lógica (que nasçam mais pessoas nessa época), porque no inverno rola mais clima (de namoro). No verão, com esse calor, ninguém quer ficar junto”, brinca Karine.
O Estado onde a sazonalidade é mais forte é a Bahia, com 26% mais nascimentos em março que em dezembro.
Na principal maternidade de Salvador, a Maternidade de Referência Professor José Maria de Magalhães Netto, a alta de partos entre março e maio chamou tanto a atenção dos profissionais de saúde da instituição que chegou-se a considerar que esse quadro poderia ser fruto de um aumento nas concepções durante as festas juninas – associação posteriormente descartada por falta de evidências científicas.
Em alguns pontos do Brasil, o fenômeno é ainda mais forte, como na pequena Feira da Mata, cidade baiana de 6 mil habitantes, a cerca de 800 quilômetros de Salvador. Nos últimos anos, Feira da Mata teve mais que o dobro de nascimentos em março em relação a dezembro.