O Ministério Público de São Paulo apura denúncias de humilhações, tortura, assédio e estupro que seriam praticados por integrantes do grupo católico conservador Arautos do Evangelho dentro da sede que fica no meio da Serra da Cantareira, em Caieiras, na Grande São Paulo.
Segundo reportagem do Fantástico, os Arautos do Evangelho construíram castelos e colégios, onde jovens vivem em sistema de internato.
O grupo católico conservador surgiu do rompimento com outra sociedade conservadora, a Tradição, Família e Propriedade (TFP). Em 1999, o Monsenhor João Clá Dias, que fazia parte da TFP, fundou os Arautos do Evangelho. Segundo o estatuto, com a missão de “levar a animação cristã das realidades temporais, segundo o seu próprio carisma”. Hoje, a associação tem 15 colégios no Brasil, com cerca de 700 alunos. Em 2001, os Arautos foram reconhecidos pelo Vaticano como associação religiosa.
Os Arautos do Evangelho enfrentam uma série de denúncias desde o início do ano passado. Elas foram feitas por 40 pessoas aqui ao Ministério Público, na cidade de Caieiras, onde ficam os castelos do grupo. Os relatos são de abuso psicológico, humilhações, assédio e estupro.
As mães ouvidas dizem que começaram a desconfiar quando notaram uma mudança de comportamento nos filhos. Elas afirmam que os Arautos estimulam o afastamento da família.
Arautos negam
Três representantes dos Arautos do Evangelho negaram as denúncias.
“Essa afirmação de beijo na boca é calúnia. Irmã, a senhora viu alguma vez isso? Afirmar que um boletim de ocorrência possa ser indício de prova. Boletim de ocorrência é um primeiro passo. É um ato unilateral, de alguém que vai na delegacia e faz uma denúncia. A delegada já ouviu. Ouviu inclusive a irmã que pode dar o testemunho dela agora, porque ela também foi colocada como cúmplice disso. Essa investigação vai seguir o seu curso e quando for concluída a investigação, aí sim cada um vai saber o que fazer. Tem até direito de recorrer à Justiça como denunciação caluniosa”, afirma o padre Alex Barbosa de Brito, sacerdote dos Arautos.
“Fui na delegacia por conta daquela denúncia, que posso afirmar é inteiramente falsa, caluniosa até”, completa a Madre Mariana, superiora dos Arautos.
Há também relatos de racismo. “A maioria são loiros de olhos claros. Quando tem alguém mais moreninho que você vê, ele sempre tem uma função específica. Normalmente é ficar na cozinha. Cozinha para as pessoas, limpa, lava e, inclusive, eles almoçam separados”, relata um denunciante.
Ao Fantástico, representantes dos Arautos negaram as denúncias de racismo. “Isso é absolutamente falso. Até poderia mostrar fartamente como convivemos entre raças. Nós temos indianas, temos da República Dominicana – que são muitas bem coloridas -, temos aqui daqui do Brasil – da Bahia, do Nordeste. Todas muito moreninhas e todas convivem com as loiras do sul numa perfeita harmonia”, diz Madre Mariana.
Sem celular
O Ministério Público constatou que os adolescentes não podem ter telefone celular. Todos usam um único aparelho, mas apenas para enviar mensagens por whatsapp. As conversas, embora pessoais, ficam visíveis a todos. O que, segundo os peritos, é uma violação do direito à privacidade dos adolescentes. Para ligar para as famílias, eles têm que usar telefones fixos.
Os laudos também destacam que em nenhum dos quartos havia fotos de parentes ou de amigos dos internos. Na maioria dos ambientes chamam a atenção as fotos de João Clá e de pessoas enaltecidas pelos Arautos. Os peritos concluem que isso pode ser uma estratégia para afastar o interno da vida lá fora.
Os peritos não encontraram livros sobre história do Brasil ou mesmo de literatura nacional. Também não foram encontrados livros didáticos. Apenas enciclopédias antigas e livros escritos pelo fundador dos Arautos, João Clá. Religiosas que receberam os peritos informaram que havia uma outra biblioteca, com livros usados na escola, mas que elas não estavam com a chave.
Para o Ministério Público, o Estatuto da Criança e do Adolescente não é respeitado pelos Arautos. Nem mesmo a liberdade de ir e vir. O laudo aponta ainda violação de direitos previstos na Constituição, comprometendo a capacidade dos internos de se defenderem da violência praticada pelos superiores.
Ao Fantástico, os religiosos repudiaram todas as acusações e disseram que o sistema de ensino que eles utilizam nos colégios segue o que é determinado pelo Ministério da Educação. Os Arautos se dizem vítimas de perseguição: “Nós estamos diante de uma situação, de uma campanha de difamação feita por desafetos da instituição, desafetos da igreja em geral. Uma campanha de perseguição religiosa onde a igreja católica está em foco e a instituição em particular”
Fonte: G1