Uma pesquisa feita pelo EXTRA, ontem, em mercados e açougues do Rio, encontrou o quilo do filé mignon por até R$ 79,90, na Zona Norte da cidade. O preço, inimaginável há alguns meses, é resultado de uma combinação de ao menos três fatores principais — dois relacionados à China e um interno —, segundo o professor Roberto Dumas, de Economia Internacional, do Ibmec/SP. Com isso, ele prevê que a carne bovina deve continuar pesando no bolso do brasileiro por dois a três anos, embora não no mesmo nível. Pode haver um arrefecimento já no primeiro trimestre de 2020.
O primeiro dos fatores para a alta que acontece nos preços é estrutural. O modelo econômico de crescimento da China mudou, a partir de 2010: saiu da exportação para o consumo doméstico.
— O mundo parou de comprar da China, e o governo percebeu o quão arriscado era um modelo baseado na exportação. Então, resolveu apostar no consumo doméstico. E como fazer isso? Dando mais renda para o chinês. O salário do chinês, que sempre cresceu aquém da sua produção, passou a crescer, a partir de 2010, além da produção. Isso é estrutural, pois trata-se de uma política pública que aumenta a renda do trabalhador chinês para que ele consuma mais. E se a China não produz para a demanda interna que ela tem, então acaba importando do agronegócio brasileiro. Isso veio para ficar — explicou Roberto Dumas.
O especialista acrescenta que a peste suína africana, que chegou à China no ano passado, aumentou a demanda pela carne brasileira:
— Estima-se que a China tinha 440 milhões de suínos, um estoque superior ao do Brasil e ao dos Estados Unidos, juntos. Mas a febre suína abateu de 40% a 50% dele. Como há mais demanda por um fator estrutural e menos oferta por um conjuntural, o Brasil passou a ser a chave para suprir o mercado, inclusive com sua carne bovina, que é a maior produção brasileira. E dado que o câmbio depreciou, ficou muito melhor para os frigoríficos crescerem para fora, o que fez o preço subir aqui dentro.
De janeiro a outubro de 2019, o Brasil exportou para a China 3,86 milhões de toneladas de carne suína, bovina e de frango — um aumento de 44% em relação ao mesmo período de 2018. E a exportação deve continuar impactando os preços por dois a três anos.
— O que a China abateu de suínos deve ser recuperado só daqui a cinco ou seis anos. Nesse período, sabendo que o mercado está em alta, devemos ter novos entrantes e a concorrência internacional, como Austrália e Irlanda, por exemplo, disputando as exportações. Mas, ao menos no período de dois a três anos, o preço vai continuar alto, ainda que não tanto quanto agora — apontou Dumas.
José Francisco, dono de um açougue em Botafogo, na Zona Sul do Rio, lamenta os altos preços das carnes:
— Se eu não tivesse uma mercearia também, já teria falido.
De quatro a seis anos para engorda
A demora também é referente ao longo ciclo do boi. Enquanto o frango demora apenas de 45 a 60 dias para ser abatido — o que facilita o ajuste da oferta de acordo com a demanda —, e o porco leva de 100 a 120 dias para ser engordado, o boi, em geral, leva de quatro a seis anos. Com o uso de tecnologias existentes, o processo pode ser abreviado para três anos.
Os motivos para a alta nos preços não param por aí. Segundo Dumas, o terceiro fator que contribuiu para a janela de oportunidades que se abriu aos produtores e frigoríficos é interno. E, na direção contrária, contribuirá para o arrefecimento dos preços em janeiro.
— É a sazonalidade. No fim de ano, a população está com mais renda por causa do 13º salário, querendo proteína animal para a ceia e, este ano, ainda foi liberado o FGTS (saque imediato de R$ 50 por conta). Então, a demanda interna também sobe, e o preço acompanha. No primeiro trimestre do ano que vem, esse poder aquisitivo vai arrefecer, pois as pessoas pagarão IPTU, IPVA, matrícula na escola… Assim, o preço da carne deverá cair, mas não o tanto que subiu até agora — avaliou.
O que dizem os criadores
Em nota, a Associação Brasileira de Frigoríficos (Abrafrigo) também afirmou acreditar que “esta elevação nos preços atual de 40% em apenas dois meses não é sustentável e que ela deverá refluir em algum momento, embora os preços não voltem aos patamares de maio/junho passado”.
Para a entidade, há fatores já influenciando o arrefecimento dos preços: “A recente retomada das vendas de carne de frango dos Estados Unidos à China, com o anúncio de negócios de US$ 1 bilhão, deverá influenciar uma redução da procura de outras carnes pela China, o que em consequência irá diminuir as exportações brasileiras de carne bovina para aquele mercado. E as exportações brasileiras, como os números de novembro indicam, estão se mantendo no patamar histórico de 20% da produção negociada com o exterior, dentro da sua normalidade”.
Fonte: EXTRA