A família tradicional brasileira é composta por pai, mãe e filhos. Tudo que foge disto foi, por muito tempo, visto com desconfiança e olhos críticos por parte da sociedade. Obrigar crianças a seguir padrões é complicado e pode ser doloroso, ainda mais quando na sua própria família falta uma figura importante: o pai.
Para quem nunca teve um pai, foi abandonado por ele em algum período da vida ou sofre com a negligência por parte desta pessoa que deveria ser uma espécie de suporte, o Dia dos Pais pode ser uma memória dolorosa relembrada todos os anos.
A engenheira ambiental Beatriz Cerqueira*, de 28 anos, já nasceu com os pais separados. Ela e o pai Marcus* sempre foram distantes, pois ele saiu de Salvador e foi morar em outra cidade baiana quando ela ainda era pequena. “Hoje em dia, nós quase não nos falamos. Sempre fomos distantes, pois ele sempre morou em uma cidade diferente da minha e, agora, depois de adulta, a relação acabou esfriando ainda mais”, contou Beatriz.
A ausência do pai só não foi pior, pois a mãe de Beatriz foi o seu alicerce, atuando como “mãe e pai juntos”, e, graças a ela, a jovem pôde se tornar a mulher independente e destemida que é hoje. Uma das coisas que mais a incomodam é o fato de Marcus nunca a apoiar e só cobrar posturas que ele acredita que sejam as de uma menina “correta”.
“Não acredito que o abandono me marcou de forma negativa, pois nunca senti realmente a falta de uma figura paterna. Acho que, por eu nunca ter tido, não tem como sentir falta de algo que não sabe nem o que é. Dia dos Pais na escola, por exemplo, pra mim nunca existiu porque eu nunca fui em nenhum. Minha mãe até sugeria que ela fosse no lugar dele, mas eu achava que não tinha muito a ver e nunca aceitava”, revelou Beatriz.
Análise de especialista
A psicóloga Eliane Dell Omo explica que o abandono ou afastamento do pai é extremamente difícil para criança. Além de ser incompreensível, pode levar a desequilíbrios emocionais, como baixa estima, falta de força, tristeza, e, muitas vezes, a doenças psicossomáticas.
Apesar de cada caso ter suas particularidades, ela diz que o abandono paterno é bastante frequente na sociedade que está baseada em um comportamento machista onde a mulher é quem cuida dos filhos. “Observamos que, em geral, essa dificuldade com a paternidade já vem de gerações anteriores. É comum nos estudos de caso observar que o pai já havia sido abandonado ou houve morte precoce do avô”, esclareceu a psicóloga.
Outro problema é que, em muitos relacionamentos, a dificuldade é do casal, mas acaba afetando os filhos. Nestes casos, as mães devem evitar falar mal dos parceiros para as crianças, afinal eles sempre serão os pais e o que aconteceu entre o casal não tem que recair sobre os descendentes.
Eliane destaca que o mais saudável para saúde emocional da criança é que ela não participe, não fique no meio do problema dos pais. Claro que em casos de relacionamento abusivo tem que haver a separação para saúde de todos.
“A superação do abandono se dá quando o filho consegue aceitar o pai enquanto aquele que lhe deu a vida e reconhecer suas limitações. Claro que isso é um processo profundo. Se pudesse deixar uma mensagem seria: Pai, sua presença é fundamental para seus filhos obterem êxito na vida, para crescerem saudáveis física e emocionalmente, para serem pessoas melhores que façam a diferença. Sua presença faz falta na criação de seus filhos, pois, através de vocês, eles veem o caminho para a vida”, acrescentou a psicóloga.
Dificuldades na escola e na vida
A professora de inglês Juliana Morais, desde que tinha pouco mais de dois anos, foi criada longe do pai Heiner. Como a mãe, Cida, precisou cuidar sozinha dela e do outro filho que teve com o ex-marido, trabalhava muito e as crianças acabavam passando muito tempo sozinhas.
“Minha mãe trabalhava muito e não podia cuidar de mim. Acho que, por me sentir sozinha, eu queria sempre estar rodeada de gente. Dia dos Pais na escola eu ficava esperando alguém chegar, mas ninguém aparecia. Não ter pai e mãe por perto para me ajudar fez com que eu tivesse dificuldades na escola, dificuldades para achar uma profissão. Já fui bem revoltada, pois me faltou amor, mas hoje estou melhor”, descreveu Juliana.
Aos 34 anos de vida, a professora confessa sentir que ainda tem muita coisa para perdoar o pai, mas se observa mais livre. Ela garante que não sente raiva de Heiner, mas fica triste ao ter que correr atrás para conseguir ter algum contato com ele, que, como pai, deveria se fazer presente na vida dos filhos.
“Hoje em dia a gente está bem, conversa um pouco e ele ajuda financeiramente quando eu peço. A vida inteira fui atrás e o obriguei a dar dinheiro. Ele ficou 18 anos sem conversar com meu irmão e minha mãe, mas eu sempre meio que o forcei a falar comigo. Ele foi embora e nunca foi de ligar. Minha mãe pedia pensão e nunca conseguia. A desculpa para não falar com a gente era que minha mãe era chata. Mesmo que isso fosse verdade, nunca deveria ser um motivo para um pai se afastar dos filhos”, relembrou Juliana.
*Nomes fictícios a pedido da fonte
Por: Márcia Guimarães/BNews