A tranquilidade com que a França chegou às quartas de final contrasta com o caráter dramático da caminhada argentina. Do lado europeu, uma geração vista como emergente, jovem embora protagonista em clubes europeus de elite; do lado sul-americano, um grupo de jogadores próximo da despedida. Choque de gerações que marca as oitavas de final de hoje, em Kazan, às 11h. Gerações que estarão em campo sob uma saraivada de críticas, questionamentos e um senso de expectativas não cumpridas.
A diferença, talvez, esteja no fato de que os franceses podem ter uma chance, daqui a quatro, anos, em caso de derrota. Para a espinha dorsal argentina, esta deve ser a última. O que inclui Messi, o maior jogador de uma era do futebol. O time impiedosamente batido por 4 a 0 pela Alemanha, em 2010, na África do Sul, incluía Otamendi, Di María, Aguero, Higuaín, Mascherano e astro maior, os dois últimos já remanescentes da Copa de 2006. Pesam sobre eles, todos entre os 30 e 34 anos de idade, os 25 anos sem conquista da seleção e a sensação de que a “Era Messi” pode ser desperdiçada.
Da França, desde 2014, esperava-se ver reproduzido na Copa o ar de frescor de seus jovens e talentosos jogadores, donos de potente arsenal ofensivo. Não é a primeira Copa de Griezmann, de 27 anos, tampouco de Pogba, de 25. Mas são estreantes Kylian Mbappé, de 19, ou Ousmané Dembélé, de 21, além de outros 12 convocados para este Mundial da Rússia. Os dois primeiros, astros em clubes de ponta da Europa vistos como personalidades difíceis de domar, por vezes excêntricos. Pior: jovens que aparentam certa soberba, frios mesmo em ocasiões mais solenes.
“Sentir a seleção” é uma reclamação argentina e, agora, também francesa. Há mais questões em comum. O que tanto se disse de Messi, hoje se diz de Griezmann e Pogba: por que não são, na seleção, o que são nos clubes? A eliminação no Brasil, em 2014, após um Mundial sem brilho, além da Eurocopa perdida em casa, não foram digeridas.
Não ajudou o fato de que, às vésperas da Copa, Griezmann, cobiçado pelo Barcelona, tenha transformado o anúncio de sua decisão de ficar no Atlético de Madrid num documentário de TV; ou que Mbappé, insatisfeito com questionamentos, tenha rompido com a imprensa. Enquanto Pogba, dono de posicionamentos tão surpreendentes quanto a cor com que pinta os cabelos, tenha dito que podia estar chegando à última Copa. Aos 25 anos.
– Esperam que a gente ganhe sempre de 10 a 0? Precisamos de torcedores, não de espectadores – disse o astro do Manchester United, após as vaias do 0 a 0 com a Dinamarca.
Mais experiente, o goleiro Hugo Lloris, de 31 anos, tomou a palavra na véspera do duelo com a Argentina.
– Sabemos como lidar com críticas, somos profissionais. Atingimos um objetivo e uma nova Copa começa agora. Há uma certa negatividade quando se fala da França – disse o goleiro Lloris.
Questões anímicas cercam de forma clara o duelo. Mas a caminhada argentina na Copa teve tantos ingredientes de dramaticidade que o técnico Jorge Sampaoli tratou de colocar o futebol em primeiro plano.
– Claro que precisamos de jogadores capazes de absorver este momento. Mas ser apenas um time anímico e sem futebol não nos dá futuro. Há uma diferença de processos entre as duas seleções. Deschamps está há seis anos… Mas espero uma Argentina com muita paixão, mas também com muito futebol – disse Sampaoli.
Difícil, num time tão caótico, é entender que tipo de futebol, qual ideia tem esta Argentina. Uma delas, segundo o próprio treinador, “estar à altura de Messi”. Mas taticamente ele garante haver um plano.
– Ter sempre a rédea do jogo, nos instalarmos no campo rival e ter uma sequência de passes. Assim nos protegeremos dos contra-ataques deles. Um jogo físico, disputado em espaços largos, não nos convém – alertou.
O coletivo é também um problema da França. Didier Deschamps lida até hoje com uma questão mal resolvida: como acomodar seus talentos, aparentemente de características não complementares. Em seis anos de trabalho, não conseguiu. Deve enfrentar a Argentina num 4-4-2, com Griezmann junto a Giroud no ataque. A formação é, em tese, ideal para o atacante do Atlético de Madrid, mas impõe sacrifícios a outros. Mbappe se distancia do gol pela direita; Matuidi, um meio-campista interior, tenta der equilíbrio ao time mais aberto à esquerda; Pogba, formando dupla de volantes com Kanté, reacende questões sobre sua disposição de ajudar defensivamente. No Manchester United, rende melhor com liberdade para avançar.
– Não é desculpa, é realidade: temos um time inexperiente, com 14 jogadores que nunca jogaram uma Copa – esquiva-se Deschamps, pedindo trégua diante da campanha na primeira fase.
– Pogba gosta de jogar mais à frente, é melhor (do que Kanté) em assistências e gols. Mas os dois são complementares, têm virtudes diferentes. Não diria que pagamos um preço (ao adaptar jogadores). Há espaço para melhorar. É uma questão de encontrar balanço – disse o treinador.