Como a La Bête, o Queermuseu e outros eventos artísticos que discutiram questões gênero e sexualidade pelo Brasil, a exposição “Cu é Lindo” também virou alvo de polêmicas. Em cartaz na capital baiana, a ação retrata a jornada de aceitação e cura do corpo de um homem gay que venceu o preconceito e lutou contra violências físicas. A exposição faz parte da mostra “Devires”, evento maior que realiza diversos debates sobre gênero e sexualidade na cidade nas próximas semanas. A “Cu é Lindo” virou palco de discussões nesta semana, principalmente, por ser financiada pelo governo do Estado.
O projeto artístico sobre o ânus propõe um exercício de desnaturalização das relações entre sexo, gênero, visualidade, raça e poder por meio de fotografias e instalações que retratam o corpo humano. Contemplada pelo Edital de Dinamização de Espaços Culturais do Estado da Bahia, através do Fundo de Cultura, Secretaria da Fazenda e Secretaria de Cultura, a ‘Devires’ ocupa o Goethe-Institut Salvador-Bahia, localizado no Corredor da Vitória, até o dia 18 de agosto.
A mostra tem entrada gratuita e pode ser visitada de segunda a sexta-feira, das 9h às 19h. Para entrar, apenas uma restrição: o visitante precisa ter mais de 18 anos. O evento artístico foi idealizado pelo artista campo-grandense Kleper Reis e, segundo o próprio autor, a “Cu é Lindo” fala sobre o “suspirar de um mergulho nas raízes que suscita a aceitação do si”.
Como a La Bête e o Queermuseu, a mostra rapidamente atraiu a atenção por colocar à vista questões e uma parte do corpo que muitas vezes é ignorada por algumas pessoas. Um dos primeiros a se pronunciar sobre o assunto, o vereador Alexandre Aleluia (DEM) classificou “Cu é Lindo” como “lixo travestido de arte” e criticou o governo do Estado pelo apoio financeiro.
“O governador petista prefere o lixo revolucionário em forma de arte, já que o objetivo dele não é a beleza e, sim, a política nefasta contra a família, realizada pelo seu partido, o PT. O Instituto Goethe é o aterro sanitário da esquerda caviar de Salvador”, discursou Aleluia.
Perguntado sobre o que seria arte, o Democrata argumentou que “tudo que é belo”. “Tenho muito claro que arte é tudo que se reflete na realidade para representar beleza”, definiu. Aleluia ainda defendeu que existe, na Bahia, artistas que buscam e representam o belo e que “Cu é Lindo” definitivamente não seria um exemplo.
Para a curadora da mostra Devires, Juliana Vieira, e responsável pela escolha da contemplação da mostra sobre o ânus no projeto, os ataques do vereador são uma forma de se aproveitar politicamente de uma onda conservadora no país. “Já esperávamos posturas como essas. Vivemos em um momento politicamente delicado. Um momento de retrocesso em que a censura volta a afetar temas que nos últimos anos ganharam espaço no Brasil”, destacou.
Para Vieira, “Cu é Lindo” é importante por trazer sensibilidade às discussões sobre o corpo e o preconceito sofrido por LGBTQ+s. “A exposição revela um processo de cura e aceitação de si mesmo. Lida com as emoções causadas pela censura e todo o acervo passa pelas memórias afetivas do artista”, contou. Nas obras, o autor Kleper Reis expõe o processo de superação que passou após sofrer preconceito e ser espancado em ataques homofóbicos.
“LINDO É DEUS”
Parte da base do governo do Estado que apoia financeiramente a realização da mostra, o deputado estadual Sargento Isidório (Avante) classificou a exposição como um absurdo. “Como o Ministério Público da Bahia (MP-BA) impede que o prefeito de Guanambi entregue a chave da cidade para Deus e não impede uma amostra dessas?”, questionou.
Contra as acusações do vereador Alexandre Aleluia que, em nota enviada à imprensa, declarou que Rui Costa e o PT apoiavam “lixo revolucionário em forma de arte”, Isidório refutou dizendo ter certeza que o aliado desconhece a realização da “Cu é Lindo”. “Rui é um homem de família que tem duas filhas lindas. Ele não iria permitir isso. O cu é mais digno do que toda essa gente que está envolvida na exposição. Lindo é Deus”, completou o pastor, que já entrou na Justiça para evitar a representação de uma peça em que Jesus era interpretado por uma mulher trans em Salvador.
Apesar de bradar contra o PT, Rui e a mostra, o vereador Alexandre Aleluia declarou que não vai judicializar a exposição. “Não existe nenhum crime. Olhei a classificação indicativa e não existe nenhuma apologia a pedofilia. O que mostrei é o absurdo de se usar dinheiro público para algo que não é arte”, ponderou.
VAI QUEM QUER
Longe do debate político em torno da exposição, a pedagoga Adriana Cunha defendeu a realização da “Cu é lindo” por acreditar que ela mostra o exemplo do autor, que venceu a homofobia com arte. “Dentro da realidade em que se está, cada vez mais debatendo o racismo e a homofobia, a realização da mostra é mais um ambiente para se discutir essas questões, mostrar o que acontece”, comentou.
“Eu poderia ter um filho em um situação como a que o artista passou, então acho válido o governo mostrar uma realidade para levar as pessoas ao que acontece”, argumentou. Cunha ainda ressaltou positivamente a classificação indicativa da mostra. “É para maiores de 18. Cada um vai ter o seu critério de ir ver ou não”, finalizou.
Fonte: Bahia Noticias