O ano de 2022 foi especialmente difícil para as mulheres no Brasil: todos os indicadores de violência contra a mulher subiram no ano passado, de acordo com a quarta pesquisa “Visível e Invisível – a Vitimização de Mulheres no Brasil” – do Fórum Brasileiro de Segurança Pública e do Datafolha divulgada nesta quinta-feira (2).
Entre os dias 9 e 13 de janeiro de 2023, 1.042 mulheres com 16 anos ou mais foram entrevistadas em 126 municípios de pequeno, médio e grande porte. A margem de erro é de dois pontos para mais ou para menos na amostra nacional e de três pontos para mais ou para menos na amostra do módulo de autopreenchimento.
Em relação à última pesquisa, que foi feita entre abril de 2020 e março de 2021, o crescimento foi de 4,5 pontos percentuais, o que revela um agravamento das violências sofridas por mulheres no Brasil.
Mas o que ocorreu em 2022?
Os pesquisadores dizem que não é possível apontar uma única causa, mas há 3 fatores que devem ser destacados:
1) Fim de financiamentos das políticas de enfrentamento à violência contra a mulher por parte do governo Bolsonaro nos últimos 4 anos
“Nota técnica produzida pelo Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc) mostrou que, em 2022, ocorreu a menor alocação orçamentária para o enfrentamento da violência contra mulheres em uma década. Sem recursos financeiros, materiais e humanos não se faz política pública”, aponta a pesquisa.
2) Pandemia de Covid-19 comprometeu o funcionamento de serviços de acolhimento às mulheres
“A restrição nos horários de funcionamento, as dificuldades de circulação impostas pelas necessárias medidas de isolamento social e a redução das equipes de atendimento foram fatores que afetaram em algum grau os serviços”.
3) Ação política de movimentos ultraconservadores que se intensificaram na última década e elegeram, dentre outros temas, a igualdade de gênero como um tema a ser combatido, como visto nas eleições de 2022.
“Pesquisa recente conduzida pela Monash University e pela ONU Mulheres buscou compreender como a expansão do extremismo violento na Indonésia, Bangladesh e Filipinas reverbera na agenda de gênero. Como resultado, concluíram que atitudes machistas e o suporte a comportamentos violentos contra as mulheres constituem os fatores mais fortemente associados ao apoio à violência”, aponta a pesquisa que teve apoio da Uber.
Para a diretora-executiva do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, “o menor orçamento justamente em um período em que os serviços precisavam de mais apoio para continuarem a existir tornou a acolhida da mulher ainda mais difícil.”
“Os dados do primeiro semestre de 2022 já indicavam crescimento dos feminicídios e outras formas de violência contra a mulher. Os últimos anos foram marcados pelo desfinanciamento das políticas de enfrentamento à violência contra a mulher. Vocês do g1 fizeram uma matéria importante com os dados de uma pesquisa do Inesc que mostrava o menor valor executado em mais de uma década. Não tem política pública na ponta sem orçamento”, diz.
“Também acredito que a pandemia afetou fortemente os serviços de acolhimento às mulheres em situação de violência, a rede da qual tanto falamos. Equipamentos de assistência social, saúde e segurança tiveram serviços interrompidos, horários de funcionamento restrito e muitos profissionais afastados por serem grupos de risco.”
Tipos de ofensa mais citados
- Ofensas verbais: 23,1% de prevalência (14,9 milhões)
- Perseguição: 13,5% (8,7 milhões)
- Ameaças: 12,4% (7,9 milhões)
- Agressão física (chutes, socos e empurrões, por exemplo): 11,6% (7,4 milhões ou 14 por minuto)
- Ofensas sexuais: 9% (5,8 milhões)
- Espancamento ou tentativa de estrangulamento: 5,4% (3,4 milhões)
- Ameaça com faca ou arma de fogo: 5,1% (3,3 milhões)
- Lesão provocada por algum objeto que lhe foi atirado: 4,2% (2,7 milhões)
- Esfaqueamento ou tiro: 1,6% (1 milhão)
Os pesquisadores destacam que, em comparação com as pesquisas anteriores, o cenário é de “um crescimento acentuado de formas de violência grave, que podem incorrer em morte da mulher, como é o caso do crescimento de episódios de perseguição, agressões como tapas, socos e chutes, ameaça com faca ou arma de fogo e espancamentos”.
Marisa Sanematsu, diretora de comunicação do Instituto Patrícia Galvão, afirmou que para compreender o aumento “é preciso recorrer aos principais fatores de risco para a violência doméstica e sexual definidos pela OMS: baixo nível de educação, experiências pessoais com violência doméstica e um ambiente de aceitação dessa violência.”
“Assim, se olharmos para o nosso contexto atual, é possível identificar a presença desses fatores de risco. Ao lado dos altos índices de violência registrados, é inegável que estamos vivendo um ambiente de naturalização e até de estimulo à violência, que, como mostra a pesquisa, já está produzindo impacto sobre as vidas das mulheres brasileiras”, diz.
Fonte g1