O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) divulgou que o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) de agosto foi negativo em 0,09%, uma desaceleração em relação à inflação de julho, quando ficou positivo em 0,33%. Você, porém, pode se perguntar por que não sentiu esse alívio no bolso. Como isso é possível?
Isso acontece porque a inflação, que nada mais é do que a variação de preços, não é igual para todo mundo. Cada um tem a própria variação de preços, de acordo com o perfil de consumo e até da região em que habita.
Para calcular o IPCA, o IBGE monta uma cesta hipotética com cerca de 400 produtos e serviços, com itens de alimentação, habitação, vestuário, saúde, transportes, entre outros. Logo, é muito difícil que a inflação individual bata exatamente com a oficial – isso por que, além de levar em consideração quais itens compõem a cesta de produtos de uma família, é preciso avaliar quais deles pesam mais no orçamento mensal.
Gastos de cada um
Uma família com crianças, por exemplo, comprometerá uma parte maior do orçamento com mensalidade escolar; já um casal de idosos desembolsa mais com medicamentos. Quem mora próximo ao trabalho gasta muito menos com transporte do que quem tem de atravessar a cidade todo dia.
Assim, a inflação diverge muito por estilo de vida – que, por sua vez, está intrinsecamente relacionado ao perfil de renda. Por isso, há índices diferentes que tentam captar essas nuances.
A inflação dos mais pobres
O Índice de Preços de Preços ao Consumidor – Classe 1 (IPC-C1), calculado pelo Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas (FGV) mede a variação de preços de uma cesta de produtos e serviços para famílias com renda mensal entre 1 e 2,5 salários mínimos (de R$ 954 a R$ 2.385).
A FGV identifica o perfil de consumo das famílias com menor poder aquisitivo por meio de pesquisas de orçamentos familiares e, a partir disso, dá peso maior no indicador aos produtos mais comprados por elas.
“As famílias mais pobres gastam muito mais com alimentos, pois gasta-se mais com subsistência, já que a renda limitada não permite diversificação da cesta”, explica André Braz, pesquisador do Ibre/FGV.
Em julho, por exemplo, o IPC-C1 teve alta de 0,25% – abaixo do observado em junho, quando houve avanço de 1,52%. O dado, porém, ficou acima do IPC-Br, que seria a “inflação oficial” medida pela FGV. Ou seja: os preços subiram no mês para toda a população, mas subiram mais entre os mais pobres.
Os itens que pesaram mais no orçamento dessas famílias foram conta de luz (5,75%) e leite longa vida (10,04%). Já os alimentos, que em junho haviam disparado por causa da greve dos caminhoneiros, em julho desaceleram e trouxeram alívio no bolso. O preço da cebola, por exemplo, recuou quase 40%; já o do tomate caiu 25%.
Inflação por faixa de renda
O Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) também faz um recorte por diferentes perfis no Indicador Ipea de Inflação por Faixa de Renda.
O número mais atual é o relativo a junho. Nesse mês, o impacto da greve dos caminhoneiros sobre os preços dos alimentos penalizou as classes mais pobres da população. As famílias de renda muito baixa tiveram inflação de 1,5% – mais que o triplo da observada em maio. No caso das famílias mais ricas, também houve aceleração da inflação em junho, menor (1,03%).
“Além da greve dos caminhoneiros, que teve um impacto direto no preço dos alimentos, também temos uma pressão dos efeitos do câmbio, o que também afeta mais o custo de vida do mais pobre”, observa Braz.
Ele explica que, quando o dólar sobe, aumenta o preço das rações animais, compostas por itens como soja, uma commodity cotada em dólar – o que faz aumentar o preço das proteínas, como o frango, por exemplo. Também aumento o preço do trigo, que é importado, encarecendo pães, biscoitos, entre outros.
Além dos alimentos, os reajustes nas tarifas de energia também pesaram no bolso das famílias mais pobres. Já nas camadas mais altas da população, a pressão adicional veio do preço dos combustíveis.
“Enquanto as famílias de renda mais baixa gastam, aproximadamente, 23% do seu orçamento com alimentos no domicílio, e 6% com energia elétrica, as mais ricas despendem, respectivamente, 10% e 2%”, observa Maria Andréia Parente Lameiras, técnica do Ipea. “No caso dos combustíveis, entretanto, observa-se o contrário: os mais pobres comprometem 2% do seu orçamento com este item, e os mais ricos, 8%”, diz.
Desaceleração
No acumulado do ano, porém, a inflação de baixa renda mantém uma trajetória de alta menos acentuada que outras classes. No ano, acumula alta de 2,49%, ante 2,78% da alta renda. Já em 12 meses avançou 3,44% ante 4,99% nas famílias de maior poder aquisitivo.
“Essa desaceleração vem acontecendo porque, em 2017 e 2018, a oferta de alimentos foi muito regular, diferentemente do que a gente viu em 2015 e 2016. Não houve quebra de safra, por exemplo, o que ajudou a manter mais baixos os preços dos alimentos”, explica Braz.
“A grande preocupação agora é com a questão cambial: a alta do dólar pode queimar a gordura que a gente acumulou, voltando a prejudicar aqueles que não tem proteção: os mais pobres.”