Ir para a escola, andar de bicicleta, sair com os amigos e, a cada 21 dias, tomar uma injeção de Benzetacil. Essa é a rotina do estudante de Seabra, Luan Ferreira Mendes, 18, que faz uso do remédio desde os 12 anos e deve continuar com o medicamento até os 35. O problema é que a medicação, única maneira de tratar a sua febre reumática, está em falta nas farmácias baianas.
Em Salvador, por exemplo, o CORREIO percorreu 50 drogarias de 18 diferentes redes, em 11 bairros – ao longo desta semana, e encontrou o remédio em apenas duas delas: Multmais, da Boca do Rio, e na Farma Rio Vermelho, localizada no bairro de mesmo nome. Em outras quatro, foi possível achar o Bepeben, produto similar, fabricado a partir da mesma substância. Em alguns estabelecimentos, os farmacêuticos informaram que o fornecimento da droga está irregular.
O levantamento do CORREIO foi feito em farmácias do Canela, Boca do Rio, Imbuí, Cabula, Narandiba, Brotas, Engenho Velho de Brotas, Costa Azul, Pituba, Rio Vermelho e Barra.
A farmácia Extrafarma, em Brotas, aberta há um ano, nunca conseguiu receber o medicamento. “Nós já fizemos o pedido pelo medicamento mais de 10 vezes, mas sempre temos a resposta de que está em falta no distribuidor”, conta a farmacêutica Lohana Soares.
Benzetacil é o nome popular da penicilina benzatina. Conhecemos a substância pelo nome comercial dado pela Eurofarma, principal fabricante da droga no Brasil. “Ela é um tipo de penicilina de ação prolongada que fica no organismo por até 21 dias agindo”, esclarece o infectologista Fernando Badaró.
O fabricante informou em nota enviada ao CORREIO que, em 2018, devido a ajustes na fábrica, houve uma redução pontual na produção de Benzetacil, que pode ter gerado desabastecimento em algumas farmácias e redes de varejo.
No entanto, ainda segundo a Eurofarma, desde dezembro do ano passado “a fabricação e distribuição do medicamento Benzetacil vem ocorrendo normalmente, porém a demanda do mercado tem se mostrado acima dos níveis históricos”. Mesmo assim, o fabricante afirmou que a produção do medicamento já foi normalizada e que nos próximos dias o mercado estará completamente abastecido.
Para o vice-presidente do Sindicato do Comércio Varejista de Produção Farmacêutica do Estado da Bahia, Luis Trindade, a fabricação está fora da regularidade há mais de dois anos e o que chega até as farmácias é insuficiente, mesmo que, para ele, a demanda seja menor. “Hoje existe um controle para a compra de Benzetacil, só se pode comprar com receita”, informou.
Já para o médico infectologista Antônio Bandeira, coordenador do Comitê Científico da Sociedade Brasileira de Infectologia, o desaparecimento do Benzetacil pode estar relacionado ao aumento dos casos de sífilis no estado. “O remédio é fundamental no tratamento da sífilis. Isso porque, no caso da doença, essa é a droga de escolha, a que é indicada e a única que dá segurança de tratar o doente”, explica.
Além da sífilis, o Benzetacil, também pode ser utilizado para o tratamento de outras doenças, infecções de garganta, como amigdalite bacteriana, e manifestações de pele como a erisipela e febre reumática, a doença enfrentada por Luan.
De acordo com o professor da Escola Bahiana de Medicina e Saúde Pública e médico infectologista, Robson Reis, o Benzetacil é a primeira opção para o tratamento de sífilis e da febre reumática.
“A penicilina benzatina, por ser uma droga antiga e amplamente utilizada, e por ser mais específica e direcionada, torna o tratamento mais seguro e eficaz. Outras drogas, além de um maior custo, não são tão eficazes”, ressalta. No caso da amigdalite, por outro lado, existem outros medicamentos equivalentes.
A escassez do remédio já é conhecida pelos médicos. A consultora comercial Tamires Novaes, 23, conseguiu encontrar a droga na segunda farmácia que procurou, no entanto, foi advertida pelo médico. “Ele me disse que poderia ser difícil encontrar, por isso indicou uma outra opção”, relatou. Algumas farmácias visitadas chegam inclusive a orientar o paciente a procurar uma unidade de saúde pública, onde seria mais fácil o acesso ao Benzetacil.
Apesar das farmácias não terem o medicamento nas prateleiras, na capital, as unidades de saúde públicas e privadas não encontram a mesma dificuldade. Consultados pela reportagem, os representantes da Secretaria Municipal de Saúde (SMS) e da Secretaria de Saúde do Estado da Bahia (Sesab) informaram que o estoque de Benzetacil está regular. A reportagem procurou o Ministério da Saúde, mas não obteve resposta.
Em relação aos hospitais privados, o CORREIO procurou o Hospital da Bahia, Hospital São Rafael, Hospital Santa Izabel, Hospital Português, Hospital Aliança e Hospital Aeroporto, que não relataram problemas a respeito do Benzetacil. O Hospital da Bahia, por exemplo, informou que usa, em média, duas ampolas por dia do medicamento, sem dificuldades.