A letra de um antigo samba diz que “a vida de casado é boa, mas de solteiro é melhor”. Pode até ser, mas não para o coração. Pelo menos é o que aponta uma pesquisa do Departamento de Cardiologia do Royal Stoke University Hospital, na Inglaterra. De acordo com o estudo, nesse quesito o primeiro grupo está em vantagem. A conclusão do levantamento é de que que ser casado até a velhice reduz significativamente os riscos de infarto e derrame.
Acostumado com a precisão das notas musicais, o técnico e afinador de pianos Júlio Ferreira, de 77 anos, garante que o seu coração nunca saiu do compasso. Bater mais forte, só pela companheira de uma vida inteira, Maria Tereza Rodrigues, de 73 anos, com quem está casado há 51. Ele acredita, que no seu caso e da esposa, a pesquisa se confirma, já que ambos sempre viveram em harmonia e passaram longe dos problemas vasculares.
— No nosso caso, a pesquisa se confirma. A última visita que fiz ao cardiologista foi há um ano, mas apenas para consulta de rotina e os exames deram tudo bem. O segredo para ter uma vida saudável é, além de um casamento de sucesso como o meu, levar uma vidra regrada, dormindo na hora certa, fazendo uma alimentação saudável, não fumando nem bebendo demais —aconselha o morador de Jacarepaguá.
Aprender a driblar as dificuldades da vida e deixar os problemas na rua, compartilhando com a família apenas os momentos também são ingredientes da receita de Júlio para viver mais e bem. Dono de uma loja de pianos no Centro há 38 anos, ele conheceu a esposa quando ambos ainda eram crianças, em Portugal. As famílias, que eram vizinhas, vieram para o Brasil em épocas distintas e aqui se reencontratam, mesmo morando em bairros diferentes. Os dois jovens se casaram tempos depois, tiveram dois filhos e três netos. Datas especiais, como aniversários de casamento nunca deixaram de ser comemoradas pelo casal.
A pesquisa publicada na revista médica “Heart” (coração, em inglês) foi conduzida nas últimas duas décadas com mais de dois milhões de pessoas entre 42 e 77 anos. O levantamento mostra ainda que na outra ponta, os divorciados, viúvos ou os nunca casados são 42% mais propensos a sofrer de males cardiovasculares e 16% mais chances de ter doenças coronárias, como obstrução das artérias. O risco de morrer também é elevado para os não casados em 42% de doença cardíaca coronária e em 55% de acidente vascular cerebral, de acordo com a mesma pesquisa.
Entretanto, entre os especialistas não há unanimidade sobre o resultado do estudo, enquanto o cardiologista e professor Cláudio Benchimol diz não ver fundamento científico nesse estudo, seu colega Cláudio Tinoco, diretor da Sociedade de Cardiologia do Estado do Rio de Janeiro concorda com o levantamento. Segundo Tinoco, o casamento garante suporte social, emocional e financeiro, fundamentais à saúde.
— O estudo reforça o que a gente já sabia: o ser humano é uma figura altamente social e viver com outra pessoa protege contra ocorrência de doenças como as cardiovasculares. É aquele parceiro que recomenda procurar um médico ou ajuda a identificar os sintomas de alguns males — aponta, acrescentando que é comum nos dois pirmeiros anos o aumento de mortes por problemas cardíacos de parceiros que sobrevivem a uma viuvez.
Já o professor da Uerj e UFRJ afirma que independentemente de ser casado ou solteiro para garantir um coração saudável, o fundamental é evitar os principais fatores que causam as doenças cardiovasculares, como estresse, má alimentação e sedentarismo. A única relação da vida conjugal com a saúde do coração, na sua opinião, é que pelo menos na teoria as pessoas casadas levariam uma vida mais regrada.
— Mas isso também é muito relativo. A única vantagem é que o casado tem uma companhia ao seu lado enquanto o solteiro está sozinho e mais propenso a fazer besteiras e levar uma vida desregrada, mas isso pode variar conforme o caso. Os hábitos da pessoa são muito mais importantes do que o fator de ser casado ou não. O que protege mesmo o coração é atividade física, ter uma alimentação saudável e uma vida sem estresse — afirma o médico, que aponta ainda o histórico familiar como um dos fatores preponderantes para as doenças cardíacas.
O estudo do Departamento de Cardiologia do Royal Stoke University Hospital examinou populações etnicamente variadas na Europa, América do Norte, Oriente Médio e Ásia.
A propósito, a letra do samba conclui que a vida de solteiro é melhor porque ele pode ir aonde quiser, enquanto o casado tem de levar a mulher.
Fonte: O Globo