Brasil e Argentina têm uma forte parceria comercial há anos. Trata-se do nosso terceiro maior destino de exportações, enquanto o Brasil é o principal comprador de produtos argentinos.
Mas a crise econômica enfrentada pela Argentina há décadas tem efeitos claros tanto na balança comercial brasileira, como no fluxo de capital entre os dois países. E esse cenário é tão grave que não deve mudar no curto prazo, mesmo com as eleições presidenciais argentinas deste domingo (22).
Segundo especialistas, a troca de comando envolve programas de governo bastante diferentes entre si e ainda não está claro quais os rumos do país e as consequências econômicas do futuro presidente. Estão todos em compasso de espera.
O que está acontecendo com a economia argentina
A Argentina vive, há décadas, uma crise econômica que envolve inflação e juros exorbitantes, altos níveis de pobreza, forte desvalorização cambial e a falta de reservas.
Parte desse cenário reflete os déficits fiscais que o país acumula há mais de dez anos. Sem dinheiro suficiente para conseguir financiar suas despesas, o governo passou a imprimir dinheiro, gerando uma enorme pressão inflacionária e uma série de problemas micro e macroeconômicos.
Entre esses problemas, destaca-se a crescente desvalorização da moeda local e a criação de uma série de regimes cambiais — que, por sua vez, também resultaram em uma crise no balanço de pagamentos (quando mais dinheiro sai do que entra no país).
O cenário de comércio exterior
Do lado da balança comercial, por exemplo, os números já mostram uma forte queda na participação da Argentina nas exportações feitas pelo Brasil.
Dados do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (Mdic) apontam que as nossas exportações para o país vizinho caíram 15% em 10 anos, tendo totalizado aproximadamente US$ 15,3 bilhões em 2022, ante os US$ 18 bilhões registrados em 2012.
De acordo com o economista e sócio da Tendências Consultoria Silvio Campos Neto, apesar de o Brasil ter conseguido limitar os impactos da crise Argentina em sua balança comercial ao longo dos anos, ainda é possível ver alguns efeitos na economia real.
E neste ano não deve ser diferente: nos primeiros nove meses de 2023, as vendas do Brasil para a Argentina somam US$ 13,6 bilhões, o equivalente a 5,4% do total de exportações feitas pelo país no período.
“Ainda assim, a Argentina segue como o terceiro maior parceiro comercial do país. E quando olhamos setorialmente, a relevância é ainda maior”, acrescenta Campos Neto.
Os impactos na indústria e no agro
Nesse sentido, o setor brasileiro que mais sentiu os impactos da crise argentina foi a indústria, principalmente nos segmentos automotivo e têxtil. A Argentina foi por muito tempo o principal destino de exportações de veículos fabricados aqui mas, no ano passado, foi ultrapassada pelo México.
Além disso, outro setor importante é o agropecuário. Neste ano, essa troca comercial ganhou relevância maior nas exportações brasileiras por conta da seca histórica que a Argentina enfrentou, que atingiu produções de milho, soja e trigo, além de matar milhares de cabeças de gado.
O economista da LCA Consultores Francisco Pessoa Faria diz que a expectativa é que a crise argentina continue a ter efeitos na balança comercial brasileira.
“O lado bom é que tudo indica que agora, em 2024, a soja volte para um nível normal de plantações e a safra melhore em relação à vista neste ano. Mas ainda há uma grande preocupação quanto ao tipo de ajuste que vai ser feito nesse sentido [pelo novo presidente]”, acrescenta Faria.
A saída de empresários brasileiros da Argentina
Outro ponto que também deve se refletir na relação entre os dois países está no investimento direto, com uma saída cada vez maior de empresários brasileiros em meio às incertezas trazidas pela crise argentina.
Para o especialista, o movimento reflete não apenas a crise econômica, mas também nas dúvidas sobre o que o candidato eleito deve fazer para tentar recuperar o desenvolvimento do país. (saiba mais abaixo)
“Não é à toa que o Milei [economista ultraliberal e de extrema-direita candidato à presidência] tem tido uma proeminência de forma inesperada. A motivação política do eleitorado argentino tem sido na linha de tentar algo novo e diferente”, acrescenta Porto.
A preocupação com Javier Milei
Os planos de Javier Milei, favorito na corrida presidencial, geram preocupações em analistas e até no próprio governo brasileiro. O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, admitiu nesta semana que uma eventual vitória do economista ultraliberal e de extrema direita traz receios.
“É natural que eu esteja [preocupado]. Uma pessoa que tem como uma bandeira romper com o Brasil, uma relação construída ao longo de séculos, preocupa. É natural isso. Preocuparia qualquer um… Porque em geral nas relações internacionais você não ideologiza a relação”, disse Haddad em entrevista à agência Reuters.
“Não se transpõe para as relações internacionais as questões internas. Mesmo quando você tem preferências, manifestas ou não”, acrescentou o ministro.
Milei já disse que pretende limitar o comércio com o Brasil, chamou o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) de “comunista raivoso” e de “socialista com vocação totalitária”.
Milei tem promessas de campanha radicais, que, além do rompimento com parceiros, estimula a dolarização da economia (substituir o peso argentino pelo dólar norte-americano) e a extinção do Banco Central local, por exemplo.
Analistas ouvidos pelo g1 questionam também como ficaria a relação do país vizinho com o Mercosul. Isso porque, em algumas ocasiões, Milei já afirmou que a Argentina “seguiria seu próprio caminho” no que diz respeito ao bloco. A opinião, no entanto, é que um eventual rompimento seria improvável.
Segundo Faria, da LCA Consultores, além de o Brasil ser o principal parceiro comercial da Argentina, Milei ainda deve ter dificuldade em passar suas ideias mais controversas pelo Congresso do país.
“Entre o discurso e a realidade, é preciso enxergar um meio termo”, completa.
O que esperar daqui para frente?
Para os especialistas, a principal expectativa que fica é sobre quais passos o presidente eleito irá tomar para tentar controlar a crise econômica na Argentina.
De acordo com Campos Neto, da Tendências Consultoria, apesar da perspectiva de que o setor industrial brasileiro continue a sentir os efeitos da crise no país vizinho, é preciso avaliar quais as decisões do novo chefe de Estado a respeito do cenário cambial.
“A Argentina tem um problema sério de escassez de dólares. Não por acaso, o país tem tentado fazer alguns acordos multilaterais e pegar alguns empréstimos. Mas não será uma tarefa simples”, afirma o especialista.
Já para Porto, da PwC, um dos principais focos do novo presidente precisará ser o controle de preços.
“A solução macroeconômica está mais em domar esse dragão da inflação e colocar o país no trilho. Aumentar juros não é fácil para a economia, mas tem muito remédio amargo que precisa ser aplicado para conseguirmos olhar o futuro de um jeito mais otimista”, acrescenta.
Fonte g1