O atual modelo de financiamento de campanha confirma aquilo que todo brasileiro minimamente informado já sabe há tempos: quando se trata de política, nada é tão ruim que não possa piorar. A princípio, a ideia era boa. Em meio ao clamor provocado pela Lava Jato, que escancarou a rede de corrupção e caixa dois operada no conluio nada republicano de grandes empresários com concorrentes aos mais variados cargos eletivos, o Supremo Tribunal Federal (STF) chamou para si a responsabilidade de mudar o sistema. O resultado foi a criação de um imenso sorvedouro de recursos públicos, que alcançou este ano o montante de quase R$ 5 bilhões destinados a bancar candidaturas em todos os municípios. Obviamente, às expensas do meu, do seu, do nosso bolso. Para completar, gerou um formato ainda mais distorcido e excludente.
Na bandeira da anticorrupção
Para entender como a lambança foi parida, é preciso retroceder a 2015. À época, o Brasil sequer havia curado as feridas do tumultuado duelo presidencial travado entre Dilma Rousseff (PT) e Aécio Neves (PSDB) cerca de um ano antes. Ainda assim, se viu sacudido por escândalos em série que abalaram os altos escalões do poder e a confiança no sistema eleitoral como pilar da chamada democracia representativa, origem do que viria a ser batizado depois de “nova política”. O lavajatismo, ainda tímido em seus ensaios de poder a qualquer custo, tinha virado o oxigênio de movimentos que arvoravam para si a bandeira nacional da anticorrupção escolheram o financiamento privado de campanha como o grande demônio a ser exorcizado do lodaçal de Brasília. Em um claro exemplo de que o STF é, sim, bastante sensível à opinião pública, 8 dos 11 ministros da Corte Suprema decidiram, em 19 de setembro daquele ano, proibir as doações empresariais a candidatos e partidos nas eleições.
A regra começou a valer já na sucessão municipal de 2016, quando as campanhas foram custeadas por doações de pessoas físicas e pelo Fundo Partidário, verba repassada mensalmente pela Justiça Eleitoral, a maioria com recursos do orçamento da União, para pagar despesas relativas ao funcionamento das legendas políticas e demais atividades, legais ou não. Após a contagem das urnas, começou o lenga-lenga. Governadores, prefeitos, senadores, deputados, vereadores e dirigentes de partidos se uniram com disposição para rechear o bolo, sob o argumento de que uma campanha, para ter competitividade, demanda gastos enormes. Incluindo aí profissionais qualificados dos mais diversos ramos, equipamentos de ponta, pessoal de apoio, material gráfico, transporte, estrutura de eventos fechados ou abertos e equipe dedicada somente à publicidade em televisão, rádio, internet e redes sociais.
Sobra sempre para o contribuinte
A queixa foi de que a decisão do Supremo, apesar do propósito nobre de reduzir a influência do poder econômico na disputa, não resolveu a principal equação para os políticos que sonhavam com o retorno das vagas gordas no período em que elas tinham ficado magras. Ou seja, de onde sairia a grana para bancar campanhas minimamente decentes? Isso porque, até a proibição do STF, as doações empresariais respondiam por aproximadamente 70% da conta, de acordo com estudos anexados à ação de inconstitucionalidade ajuizada pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), origem do veto imposto pelo Supremo. A solução, como não era difícil prever, recaiu sobre os ombros do contribuinte, a partir de uma conjunção de esforços concentrados do Congresso Nacional com o Palácio do Planalto e após um processo consolidado em 6 de outubro de 2017, data em que o então presidente Michel Temer (MDB) sancionou a minirreforma reforma eleitoral.
Entre os pontos aprovados a toque de caixa por deputados e senadores a tempo de valer para eleições gerais de 2018, um deles instituía o Fundo Especial de Financiamento de Campanha, que se tornou popularmente conhecido como Fundo Eleitoral. De pronto, o dispositivo previa pouco mais de R$ 1,7 bilhão voltado a bancar a aventura dos candidatos em busca do primeiro ou de um novo mandato. A distribuição da soma obedece à seguinte fórmula, com razoável complexidade: 2% divididos de forma equânime entre todas as legendas legalizadas junto ao TSE; 35% repartidos entre os partidos com pelo menos um representante na Câmara, de acordo com o percentual de votos obtidos na última eleição; 48% fatiados pelas siglas à proporção do número de representantes na Câmara no momento da eleição; e 15% entre as legendas com assento no Senado, também conforme a quantidade de parlamentares eleitos. Trocando em miúdos, os mais fortes no Congresso ganharam o direito a porções maiores dos cofres públicos.
Nada de fundinho, eles querem o Fundão
Embora as siglas tivessem direito a somar a nova fonte ao Fundo Partidário para colocar a campanha em campo, a classe política ainda achava pouco – a velha história de quem basta receber o dedo para cobiçar o braço. A primeira esticadinha foi tímida. Na sucessão municipal de 2020, a fatura subiu para R$ 2,03 bilhões. O que representou um incremento de R$ 200 milhões. Novamente, a turma do Parlamento torceu o nariz para a cifra. Em vez do “Fundinho”, queriam o “Fundão”. O desejo começou a tomar forma em 2021. Antes de avançar no tempo, vale entender um detalhe essencial. O valor repassado para financiar campanhas é definido pela Lei Orçamentária Anual (LOA), proposta do Poder Executivo que recebe ajustes do Congresso Nacional e é posteriormente sancionada pelo presidente da República, com vetos ou não.
Decididos a vitaminar o fundo com horizonte das eleições gerais de 2022, deputados e senadores aprovaram um artigo que elevava a soma para espantosos R$ 5,7 bilhões, mais que o dobro da cota anterior e do valor proposto pelo governo Jair Bolsonaro, que era de R$ 2,1 bilhões. O próprio Bolsonaro vetou o trecho em agosto de 2021, mas base aliada e oposição mostraram quem é que mandava na parada e derrubaram o veto em dezembro. Diante dos desgastes causados pelo plus bilionário, os parlamentares chegaram a um acordo com o então presidente e enxugaram o montante para R$ 4,9 bilhões. Usaram a justificativa de que, dessa vez, o número de candidatos era bem maior, já que os eleitores teriam que escolher presidente, governadores, senadores, deputados federais e estaduais.
Como se desdissessem tudo aquilo que disseram antes, o valor foi praticamente mantido para a sucessão municipal deste ano, mesmo que seja uma corrida menos dispendiosa, para usar o discurso adotado em 2021 como desculpa para enlarguecer a roda da fortuna. Em 17 de junho, o TSE divulgou o valor oficial do Fundão: R$ 4,96 bilhões, repartidos entre 29 partidos. O montante servirá para impulsionar a candidatura de prefeitos, vices e vereadores em todo o país, tido como antessala para a sucessão de 2026. Nesse jogo de reduzir o desequilíbrio nos confrontos eleitorais causado pelo financiamento privado para depois mantê-lo, agora com recursos públicos, quem se deu bem de fato foi o PL, que no espaço de meia década se transformou em um fenômeno de sucesso na história recente dos partidos políticos brasileiros.
Fonte Metro1