A dupla sertaneja Simone e Simaria já chegou a afirmar que não define quem é a primeira e quem é a segunda voz – o que é relativamente comum, entre grupos do tipo. No entanto, desde o mês passado, os fãs das duas têm escutado somente uma das vozes: Simone, a mais nova, tem feito shows sozinha, porque Simaria foi diagnosticada com tuberculose ganglionar.
Esse é um tipo menos frequente de tuberculose – a mais frequente e mais conhecida pela população é a que afeta os pulmões. A ganglionar, como o próprio nome já indica, afeta os gânglios, que são pequenos órgãos espalhados por todo o corpo. Também conhecidos como linfonodos, eles ajudam na defesa do organismo e na produção de anticorpos.
“A tuberculose é uma doença endêmica, que atinge 10 milhões de pessoas no mundo todos os anos. É difícil encontrar um órgão que não possa ser envolvido pela tuberculose. Ela pode atingir rins, intestino, pleura, pericárdio…”, diz o pneumologista Guilhardo Ribeiro, médico do Hospital Santa Izabel.
A cada 100 casos, 85 são de tuberculose pulmonar. Os outros 15 se dividem entre todos os outros tipos de tuberculose. A tuberculose ganglionar é apenas um dos tipos de tuberculose ‘extrapulmonar’, que acontece fora dos pulmões, como explica o infectologista Antonio Bandeira, coordenador do Serviço de Infectologia do Hospital Aliança.
“Geralmente, esses outros quadros de tuberculose têm uma disseminação do bacilo (bactéria que transmite a doença) pela corrente sanguínea para outras partes do corpo. O bacilo acaba ‘colonizando um gânglio”, diz.
Sintomas
Os sintomas estão diretamente ligados aos gânglios. Assim, a pessoa pode sentir dores nos gânglios. Ou, na prática, perceber o surgimento de caroços dolorosos em áreas como o pescoço e nas axilas. “Aquilo está inflamado, então a pessoa sente dor. Consequentemente, (os caroços) estão mais avermelhados”, diz Bandeira.
De acordo com o infectologista, além disso, os pacientes têm febre, perda de peso e sentem uma ‘moleza’ no corpo. Alguns desses caroços podem, inclusive, drenar uma secreção que lembra um vômito branco.
Uma das dificuldades é justamente o diagnóstico – o resultado da análise de cultura pode demorar entre 25 e 40 dias. “Mas vai depender da suspeita clínica. Se tiver o gânglio com pus e no exame direto você conseguir ver o bacilo, pode começar a tratar. Mas o ideal é ter toda a identificação do patógeno para que comece com o remédio eficaz”.
Ao contrário do tipo mais comum da doença, a pulmonar, e da tuberculose faringolaríngea, a tuberculose ganglionar não é contagiosa. Segundo ele, a pessoa que contamina alguém que desenvolve a tuberculose ganglionar, na verdade, está com a bactéria no pulmão. Se essa pessoa tossir, por exemplo, a outra pode aspirar esse bacilo.
“A partir desse momento, o caminho dele pode ser por duas vias. Ou vai ficar dormente no pulmão, hibernando por longos períodos de tempo, ou, em algum momento, ele pode ser reativado e dar início a um quadro de tuberculose pulmonar ou extrapulmonar”.
Baixa imunidade
Qualquer pessoa, em qualquer condição de vida, pode vir a ter tuberculose. O infectologista Márcio de Oliveira cita, inclusive, o caso de Simaria como uma das três personalidades brasileiras que tiveram a doença nos últimos tempos.
“Temos três pessoas com uma vida saudável, como a cantora, o jogador Thiago Silva e o cantor Thiaguinho. O que a gente encontra de baixa defesa nessas pessoas é devido à alimentação inadequada, vida corrida, noite perdida. A gente normalmente pensa em imunodepressão clássica, mas esse tipo de vida pode aumentar as chances de tuberculose”.
Até mesmo uma dieta exagerada pode reduzir as defesas do organismo, de acordo com o pneumologista Guilhardo Ribeiro. No entanto, o mais comum, segundo o infectologista Antonio Bandeira, é que as pessoas que adquirem a tuberculose ganglionar tenham algum tipo de imunodeficiência.
“Tem que ver a possibilidade de esse paciente ser infectado com HIV, ou mesmo não sendo HIV positivo, se está tratando um câncer, usando radioterapia ou quimioterapia. Essas situações diminuem as defesas orgânicas, facilitam (a doença)”.
O tratamento é feito da mesma forma que a tuberculose pulmonar: o uso de antibióticos por no mínimo seis meses – quatro tipos de remédios nos dois primeiros meses e dois nos quatro meses seguintes. É o chamado ‘Esquema RIPE’ – formado pelas drogas rifampicina, isoniazida, pirazinamida e etambutol, que são fornecidas gratuitamente pelo Sistema Único de Saúde (SUS).
E, como os especialistas reforçam, a tuberculose tem cura. O que não tem cura é geralmente a “exceção”, na avaliação do infectologista Márcio de Ribeiro – são os pacientes que usam os remédios de forma indevida, por exemplo. “O grande problema do tratamento é que é um tratamento longo. Às vezes, o paciente suspende a medicação com dois, três meses, porque se sente curado, mas a doença pode voltar de forma que torne ainda mais difícil o tratamento”.
A mortalidade é baixa, segundo o pneumologista Guilhardo Ribeiro. Segundo ele, ela só costuma ocorrer quando há doenças graves associadas. “Mesmo assim, há cura mesmo com as doenças graves. Agora, claro que se a pessoa tiver uma forma gravíssima, ela pode morrer não pela tuberculose, mas pela doença crônica de base”.
Bahia tem mais de quatro mil casos de tuberculose por ano
A Bahia é o quinto estado com o maior número de pessoas com tuberculose no país, de acordo com a Secretaria da Saúde do Estado (Sesab). Além disso, o estado é o segundo com mais casos entre os do Nordeste. Só no ano passado, foram 4.610 casos novos – entre todas as formas de tuberculose. Já em Salvador, em 2017, foram 1.620 notificações novas.
Este ano, até então, foram 615 ocorrências na Bahia – dessas, 230 foram em Salvador, o que equivale a pouco mais de 37% do total. No estado, a faixa etária mais atingida pela doença é a de pessoas com idades entre 20 e 49. Segundo a Diretoria de Vigilância Epidemiológica da Sesab, essa faixa etária responde por 55,2% dos casos.
Entre os 417 municípios do estado, somente 30 registraram 67,3% das ocorrências no estado – todos tiveram pelo menos 20 casos. Além de Salvador, a lista inclui Feira de Santana, Itabuna, Camaçari, Ilhéus, Lauro de Freitas, Vitória da Conquista, Porto Seguro, Jequié, Barreiras, Simões Filho e Juazeiro. Há, inclusive, cidades que não estão entre as 50 maiores do estado, a exemplo de Una e Camacan, ambas no Sul da Bahia.
A Sesab não distingue, contudo, quantos casos foram de tuberculose pulmonar, nem de tuberculose ganglionar ou qualquer outro tipo da doença. Só no ano passado, dados preliminares do órgão estadual de saúde indicam que a Bahia teve 357 óbitos devido à tuberculose. Na capital, os dados preliminares apontam 104 mortes.
Fonte: Correio24horas