O pequeno município de Ribeirão do Largo (BA), com população estimada de 7.437 habitantes, foi vítima de um esquema que desviou mais de R$ 690 mil de recursos públicos entre os anos de 2013 e 2014. A organização criminosa foi denunciada pelo Ministério Público Federal (MPF) por dispensa ilegal de licitação para contratação de uma cooperativa fictícia de profissionais de saúde e por crime de responsabilidade consistente no desvio do dinheiro não utilizado para pagamento dos serviços médicos, além de lavagem de dinheiro.
A denúncia foi oferecida ao Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1) por incluir o atual prefeito do município de Encruzilhada (BA), Wekisley Texeira Silva, que naquela época atuava como presidente da Cooperlife – Cooperativa de Trabalhadores na Saúde. Esta cooperativa é acusada de usar o mesmo esquema para prejudicar outros municípios baianos: no período de 2011 a 2016, recebeu quantia superior a R$ 121 milhões de 30 prefeituras e os fatos são apurados em outros inquéritos.
Segundo a acusação, o esquema começou quando Valdomiro Guimarães Brito, então prefeito do município de Ribeirão do Largo, aderiu à prática de crimes pela organização criminosa e, num dos primeiros atos de sua gestão, editou o Decreto nº 14, de 02/01/2013, para declarar estado de emergência de forma genérica, em razão do suposto “caos administrativo” deixado pela administração anterior, o que justificaria a aquisição de bens e a contratação de serviços por dispensa e inexigibilidade de licitação.
A falsa situação de emergência permitiu a contratação da Cooperflife para a intermediação de serviços médicos, plantonistas e outros profissionais de saúde somente dois dias após a edição do decreto. O procurador regional da República Lauro Pinto Cardoso Neto destaca que, até essa data, não havia nenhuma solicitação desses serviços médicos pela Secretaria Municipal de Saúde, o que veio a ocorrer muitos dias após a contratação. “Além disso, no momento da contratação, o valor de contratação pelos serviços médicos foi fixado sem metodologia alguma”, diz.
Segundo o procurador, os envolvidos não observaram as formalidades pertinentes à dispensa, com o intuito de causar dano ao erário e enriquecimento ilícito.
Posteriormente, Valdomiro Guimarães ainda promoveu um pregão presencial de forma simulada para dar continuidade ao esquema criminoso e com o intuito de simular licitação para mais tarde desviar os recursos públicos de saúde. Além do então prefeito de Ribeirão do Largo, são acusados do crime de responsabilidade a então secretária municipal de Saúde, Joseni Silva da Santana, os representantes da Cooperlife Wekisley Teixeira Silva, Marcos Menezes Moreira e Paulo César Lima Brito, além do representante da Transcops Antônio Cosme Silva.
Lavagem de dinheiro – Foi possível verificar ainda um gigantesco fluxo de valores entre a Cooperlife e o grupo de cooperativas Transcoops, administrado pelo denunciado Antônio Cosme Silva e presidida por sua filha Ana Karolinne Adolfo da Silva, por meio de inúmeras transações bancárias ocorridas no período de janeiro de 2013 a abril de 2014, não obstante a inexistência de relação contratual entre elas e tampouco havendo similitude quanto às atividades exercidas pelas cooperativas. O único ponto que as une é o parentesco entre seus líderes.
A Cooperlife transferiu R$ 1.694.830,00 às cooperativas do grupo Transcops mediante 68 movimentações financeiras. Desse montante, R$ 1.287.330,00 são provenientes da conta-corrente destinatária dos recursos do fundo municipal de saúde de Ribeirão do Largo, valor que engloba os R$ 693.529,57 desviados no esquema. “As inúmeras operações financeiras envolvendo a Cooperlife e a Transcops revelam a consecução de duas etapas do ciclo da lavagem de capitais, quais sejam, a ocultação e a dissimulação (mascaramento) da natureza, da origem, da localização e da propriedade dos valores decorrentes dos desvios de rendas públicas, suficientes para a configuração do delito”, diz Lauro Pinto Cardoso Neto.
Organização criminosa – A denúncia aponta a existência de organização criminosa, que foi constituída pelos representantes da Cooperlife e depois admitiu os funcionários públicos Valdomiro Guimarães e Joseni Silva para a prática dos crimes em Ribeirão do Largo. A organização foi estruturada em núcleo político e núcleo empresarial, tinha divisão de tarefas e, segundo o conjunto probatório, demonstrava estabilidade e permanência para obter vantagem econômica.
Criada em agosto de 2010, a Cooperlife, com sede atual no município de Barra do Choça (BA), recrutou alguns cooperados que nunca laboraram em favor da entidade ou acompanharam suas atividades posteriores. Essas pessoas atuavam como “laranjas” para os propósitos de Wekisley, notadamente no início da empreitada criminosa.
O caráter fictício da Cooperlife é evidenciado pelo número reduzido de cooperados prestadores de serviço (inferior a trinta), em contraste com a intensa atuação em 22 municípios baianos tão somente em 2013, ano de maior faturamento da entidade, na ordem de mais R$ 43 milhões.
Além da condenação pelos crimes referidos, o MPF pede a fixação do valor mínimo de R$ 693.529,57 para reparação dos danos causados pelas infrações penais.
Denúncia no IP nº 0025962-98.2016.4.01.0000/BA
Assessoria de Comunicação
Procuradoria Regional da República da 1ª Região