As dores atacam aos poucos até chegar à potência máxima. O corpo arde em febre, o incômodo nas articulações perturba, manchas vermelhas aparecem no rosto. A vida é uma dor: é sinal de que o Lúpus estabeleceu suas amarras. E a luta começa: corticoide, reumatologistas, internações. No último dia 10, quando se celebrou mundialmente a doença, os motivos para comemorar são poucos. Na Bahia, calcula a Secretaria da Saúde do Estado (Sesab) a pedido do CORREIO, 20 pessoas morreram vítimas da doença, simbolizada pela cor roxa, até abril deste ano. Os números revelam, em média, uma morte por semana até aqui.
O Lúpus fez suas primeiras vítimas ainda na Idade Média, no século 12, quando o médico italiano Rogerius Frugard teria utilizado o nome para classificar feridas de pacientes. Muitos morreram sem, ao menos, saber do que padeciam. Ainda morrem. Somente no ano passado, na Bahia, ocorreram 66 mortes – também uma média de uma morte por semana. De 2014 até abril de 2018, foram 282 mortes. No Brasil, calculou o Ministério da Saúde solicitado pela publicação, foram 925 mortes provocadas pela doença, em 2017.
Não há estimativa oficial do número de diagnosticados com a enfermidade. Mas, em média, 0,1% da população tem a doença, explica Jozélio Freire de Carvalho, reumatologista e professor adjunto do Instituto de Ciências da Saúde da Ufba. Seriam, portanto, 152 mil baianos com Lúpus.
Mara Pacheco, 37 anos, ex-manicure e dona de casa por determinação da doença, é um desses baianos que convivem com a doença autoimune. Mulheres, como ela, são mais vulneráveis à doença: a cada 19 mulheres, somente um homem vira estatística. A ciência não compreende o motivo da predileção, mas Mara abriga e produz, dentro dela, anticorpos que ora afetam, ora impedem o funcionamento de órgãos como seus rins.
Foi em 1999, grávida do primeiro filho, que sentiu as primeiras dores insuportáveis, as mínimas tarefas eram grandes batalhas. O diagnóstico recebeu apenas há cinco anos, quando chegou, sangue sob o nariz, amparada por uma amiga no Hospital Santa Izabel com o nível das plaquetas em 9 mil. O normal é de, no mínimo, 150 mil. Mara estava de frente ao desconhecido. Dessa vez, até a morte lhe pareceu próxima.
“Quando soube, fiquei tranquila. Depois, olhando na internet, fiquei apavorada pelo que eu poderia ter”, lembra.
Depois da alta, passou por mais duas internações. Como ela, de 2014 até abril de 2018, 7,6 mil baianos foram internados por complicações da doença, segundo dados da Sesab.
Mara segura os remédios que precisa ingerir para ‘domar’ o Lúpus
A história de Mara, da ignorância ao diagnóstico, ilustra a vida de muitos outros pacientes com Lúpus. Também é um dos porquês de a doença vitimar tantas pessoas. “Ocorre um desconhecimento ao redor da doença. Em casos em que ela causa deformidades físicas, por outro lado, surge o preconceito. Aí, como as pessoas não conhecem, podem ter ideias equivocadas, como achar que é contagioso”, explica o reumatologista Jozélio Freire.
Há, também, os casos em que o paciente não recebe o tratamento correto, o que distingue muitos casos clínicos similares. O tratamento, em geral, é realizado com uso de corticoides, de vitamina D, imunossupressores e cloroquina. O corticóide, anti-inflamatório potente, consegue “remover o processo inflamatório e reduzir os anticorpos”, explica Jozélio. Por isso, deve ser utilizado somente sob prescrição, já que pode acarretar efeitos colaterais como hipertensão e inchaço.
“Hoje, conseguimos inativar a doença por anos seguidos com o tratamento. A pessoa, muitas vezes, nunca mais nem sentirá nada. Mas, em caso contrário, a situação pode ser muito diferente”, pontua o médico.
Isso porque a doença, embora incurável, pode ser tratada até ficar inativa. O Lúpus é como uma máquina independente dentro do corpo: tanto pode estar ativo, quando compromete algum órgão – os mais comuns são os rins e o coração -, quanto em inatividade, sem sintomas ou prejuízos para a saúde. O cigarro, o uso de anticoncepcionais e a exposição excessiva ao sol são fatores de risco por alterarem o formato das proteínas.
O caminho e as ferramentas oferecidas para que a inatividade seja alcançada, no entanto, ainda são inacessíveis para muitos pacientes.
O tratamento e o encontro de histórias
Desde a última internação, no início de 2017, Mara está sem tratamento. Moradora de Cajazeiras 11, ia ao setor especializado em Reumatologia do Ambulatório Docente-Assistencial de Lúpus da Escola Bahiana de Medicina (Adab) uma vez a cada três meses para consultas. Mas, com o fim das atividades do centro, anunciado em outubro de 2017 por “falta de médicos e de recursos”, segundo o então gestor da unidade, o reumatologista Mittermayer Santiago, os cerca de 900 pacientes cadastrados ou ficaram sem tratamento ou precisaram ser remanejados.
Ex-coordenador do Adab e atual coordenador do setor de Reumatologia do Hospital das Clínicas, Santiago declarou ao CORREIO, que a finalização do atendimento em Reumatologia no Adab compromete os pacientes de Lúpus e afunilam suas opções de tratamento. “Me preocupa a falta de disponibilidade para suporte em casos de internação. É um cenário caótico para os pacientes de Lúpus. Eles precisam de um acompanhamento muito de perto. É preciso que tenham um controle, assistência de perto”, desabafa.
As opções, hoje, são os dois ambulatórios soteropolitanos destinados ao tratamento da doença, nos hospitais Universitário Professor Edgard Santos, também chamado de Hospital das Clínicas, e no Santo Antônio, mantido pelas Obras Sociais Irmã Dulce. Mas o atendimento é fechado para o público externo: é necessário já estar internado nas unidades de saúde. Fora os ambulatórios, dois reumatologistas, médicos especializados no tratamento da doença, se revezam no Multicentro de Saúde da Rua Carlos Gomes.
Nas três unidades de saúde, o detalhe que prejudica quem não pode pagar por uma consulta que custa, no mínimo, R$ 150 em clínicas particulares: a agenda de marcações lotada. Moradora da Suburbana, Elaine Pinheiro, 37, foi outra prejudicada, faz o que não pode para receber tratamento.
Diagnosticada há três anos, tentou ser atendida pelo Adab, não conseguiu, foi ao Hospital das Clínicas, agenda fechada. Resultado: ela, que não pode trabalhar devido ao Lúpus, paga, a cada quatro meses, R$ 150 para ser atendida no bairro da Liberdade, com ajuda do marido. No caso dela, a doença está ativa e as dores aparecem sem aviso prévio. Para dar suporte a pacientes como Elaine, as secretarias Municipal e Estadual da Saúde distribuem alguns medicamentos, mediante solicitação médica.
O grande problema, insiste a diretora da Associação Lúpicos Organizados da Bahia (Loba), Jacira Conceição é a falta de médicos. O grupo, pelo qual já passaram seis mil pessoas, foi criado em 2004 para promover o encontro de pessoas com Lúpus.
“Se não há médicos disponíveis, como algumas pessoas vão apresentar o pedido? É complicado, mas seguimos tentando melhorar a situação”, desabafa.
A luta vem, então, por meio de pressão ao poder público por mais médicos reumatologistas na rede pública. Sem dúvida, afirma a presidente da Sociedade Baiana de Reumatologia, Liliana Galrão, a “principal ação seria um programa de governo voltado para o atendimento integral de pacientes com doenças autoimunes. Assim as doenças seriam diagnosticadas no início e assim seriam prevenidas as complicações, e vidas seriam salvas”.
Não há, no entanto, previsão para reabertura do atendimento em Reumatologia no Adab. A Secretaria Municipal da Saúde (SMS) declara que oferece suporte aos pacientes por meio da distribuição mensal de protetor solar, corticoide, vitamina D e cálcio – juntos, custam pelo menos R$ 165. A SMS, inclusive, afirmou à reportagem que “se comprometeu em aumentar a quantidade protetor para pacientes com Lúpus para quatro frascos por mês”. Já a Sesab afirma que auxilia os pacientes a partir da parceria com o Hospital das Clínicas e com a disponibilização de seis medicamentos.
Mas, médicos ouvidos pelo CORREIO afirmam que o próprio corpo de profissionais formado em Reumatologia é escasso. Solicitada pela publicação, Liliana Galrão calculou, na capital e Interior, a existência 60 profissionais entre Reumatologistas e Pós Graduados em Reumatologia. De maneira geral, justifica Galrão, “a falta de residências na especialidade contribui para a pequena quantidade de profissionais na especialidade”. Hoje, apenas o Hospital Santa Izabel oferece duas vagas de especialização, por ano, na Bahia.
A saga de quem tem Lúpus no interior
A 700 quilômetros de Salvador, no município de Livramento de Nossa Senhora, no Sul da Bahia, mora Tatiane dos Santos Lima, 34. Foi diagnosticada com Lúpus em maio de 2017. Desde então, precisa viajar para a capital baiana na busca da inativação da doença. Tatiane se sente só: o interior do estado, com poucos especialistas e parco fornecimento de medicamentos, assusta quem busca ajuda.
Do sertão aos litorais, em apenas nove dos 417 municípios há distribuição de medicamentos. O processo ocorre nos Núcleos Regionais de Saúde, explicou a Sesab. A reportagem questionou o número de alopáticos dispensados, mas a pasta se limitou a declarar que o oferecimento ocorre por demanda. Para Tatiane, é “pouco”. “Fui atrás, então, de ajuda. Consegui com Jacira [Loba] e vou para Salvador dia 19 de abril para consulta. É também o momento em que economizo com medicamento”, conta ela.
Onde mora Tatiane, não há nenhum ambulatório especializado em Reumatologia. Nem onde vive Laliana de Jesus Lima, 19, em Alagoinhas. Sem assistência médica, ela já precisou pagar por quatro consultas – um gasto de, aproximadamente R$ 1 mil -, em Salvador. Também é difícil encontrar medicamento em Alagoinhas: ela precisa de três por mês, mas consegue apenas um na Farmácia Popular, o predilezona.
O único ambulatório especializado em Reumatologia, na verdade, está a 489 quilômetros de Tatiane e a 80 quilômetros de Laliana. Funciona no Hospital Geral Clériston Andrade, em Feira de Santana, com vinculação à Universidade Estadual de Feira de Santana (Uefs), a unidade, criada em 2008. A procura é tanta que a agenda de marcações já está fechada até o final deste ano, conta a coordenadora do ambulatório e professora assistente de Reumatologia da Uefs, Ana Teresa Amoedo. Nas manhãs de quarta-feira, há uma média de 15 atendimentos.
Recentemente, a Prefeitura de Feira de Santana contratou um Reumatologista para atender na rede pública. Mas a procura é “intensa”, classifica a médica. Se na metrópole, o acesso a tratamento e medicação parece difícil; no interior, as dificuldades perpassam de questões socioeconômicas a geográficas.
“Pense em alguém que more na zona rural de Quijingue [cidade da Região Sisaleira da Bahia], como ela pode conseguir tratamento? Tem também a própria questão do desconhecimento. É difícil chegar uma pessoa já com suspeita de que tem Lúpus”, ccomenta.
Na prática, restaria ao morador ou moradora do entorno rural de Quijingue viajar, pelo menos 229 quilômetros, e bater à porta justamente do ambulatório onde trabalham Ana Teresa e seus alunos. Lá, refém da própria sorte, tentaria marcar uma consulta. Mas, a viagem só poderia acontecer a partir de janeiro de 2019. E, até lá, tudo pode acontecer.
O que é o Lúpus?
O Lúpus é uma doença reumática e autoimune que, em geral, se manifesta mais em mulheres que homens. Em média, a cada 19 mulheres diagnosticadas, um homem tem Lúpus. Os anticorpos produzidos pelo Lúpus podem acometer, em casos mais graves, alguns órgãos. Os mais comuns são os rins e o coração.
Sintomas
Os sintomas variam de dores no corpo e nas articulações a manchas vermelhas no rosto, as chamadas “asas de borboleta”. A variedade pode confundir o paciente. Por isso, é preciso procurar um médico especializado, o Reumatologista, para descobrir o diagnóstico correto.
Fatores de risco
O uso de anticoncepcionais, a exposição excessiva ao sol e fumar são fatores de risco. Isso porque, alteram o formato das proteínas e podem desencadear a produção dos anticorpos que atacam o próprio corpo.
Onde buscar medicamento
Protetor solar – Multicentro da Rua Carlos Gomes.
Predsona 5mg e 20 mg – Unidades Básicas de Saúde.
Reuquinol e Micofenolato – Câmara de Conciliação, Shopping Bela Vista, de segunda a sexta-feira, das 8h às 17h.
Metrotexato, Azatioprina, Fluoxetina e Danazol – Centro de Referência do Idoso (Creasi), Hospital Universitário Professor Edgar Santos (Hupes) e Fimac (no Octávio Mangabeira). As pessoas devem ser cadastradas para que possam receber os medicamentos.
Fonte: Correio24horas
que noticia triste, as pessoas não conhecem a doença e as vezes ficam tentando tratamentos naturais antes de procurar o médico. me informo e sempre recomendo esse site para duvidas https://www.reumatocare.com.br/lupus.html